Tem sido minha trajetória, nos últimos 16 anos, orientar pessoas que encontram dificuldades para organizar seu patrimônio ou planejar seus negócios. Em especial, tenho lidado com casos de brasileiros (ou de estrangeiros no Brasil) querendo mudar-se para viver no exterior ou, já vivendo fora, querendo regularizar seu patrimônio perante o Fisco brasileiro. Situações que mais vejo:
- quem encontra uma oportunidade de carreira para viver e trabalhar no exterior, mas não sabe o que acontecerá com sua conta bancária e investimentos financeiros no Brasil se fizer a saída definitiva do País;
- quem se aposenta para viver no exterior por estilo de vida, e descobre que vai ter que pagar impostos no Brasil e no exterior, e quer saber se a saída definitiva do País influi nisso;
- quem já vive e trabalha no exterior e continua apresentando declarações de imposto de renda no Brasil, mas ignorando o dever de informar o patrimônio e renda estrangeiro, e por isso querendo saber se a saída definitiva do País é uma solução;
- quem quer retomar sua vida no Brasil, e está inseguro por voltar a declarar para a Receita Federal um patrimônio muito maior do que tinha quando deixou o Brasil, porque fez a saída definitiva do País no passado.
A cada ano em que atendo a brasileiros e estrangeiros, mais se revelam duas constantes: faltam informações claras para fazer tudo de forma regular, e falta coordenação entre a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Banco Central (BACEN), os responsáveis por dar orientação sobre a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) e temas correlatos.
O objetivo deste texto é responder às primeiras perguntas de quem acabou de descobrir a saída definitiva do País, e não tem ainda ideia das consequências possíveis para sua renda e seu patrimônio, para evitar os riscos e custos de uma situação irregular perante o Fisco. Para quem quiser se aprofundar em algum aspecto do problema, a cada tópico haverá um link para um texto mais detalhado sobre o aspecto em questão.
Parte 1: Por que fazer a Declaração de Saída Definitiva do País?
A minha experiência, comparando a situação do Brasil com a de outros países, é que o procedimento para deixar de ser residente fiscal no Brasil se tornou complicado de uma maneira desnecessária. A regulamentação da Receita Federal trata do tema de forma muito confusa. Por isso, antes de explicar o procedimento da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) em si, vale a pena explicar o contexto em torno dela.
O primeiro objetivo aqui, portanto, é deixar claros alguns conceitos para quem não quer dar um passo em falso. Neste texto, porém, vamos considerar apenas os temas em torno da saída fiscal, sem adentrar muito na dupla residência fiscal, tema de outro texto.
O que é uma saída fiscal
A “saída fiscal” pode ser entendida como a perda da condição de residente fiscal no Brasil. Ser residente fiscal no Brasil significa, basicamente, que o vínculo entre o contribuinte e o Estado brasileiro é forte o suficiente para que o contribuinte esteja obrigado a:
- submeter à tributação do imposto de renda no Brasil todos os rendimentos, sejam provenientes do Brasil ou do exterior;
- apresentar anualmente à Receita Federal a declaração de imposto de renda pessoa física (DIRPF), na forma de Declaração de Ajuste Anual (DAA), informando rendimentos e patrimônio no Brasil e no exterior; e
- apresentar ao Banco Central, anual ou trimestralmente, conforme o caso, a declaração de capitais brasileiros no exterior (DCBE), informando os ativos no exterior se excedido o limite mínimo (atualmente de um milhão de dólares americanos).
Com a saída fiscal, define-se uma data em que o contribuinte deixa de ser residente fiscal no Brasil e passa a ser considerado um não residente. Isso significa que, a partir da saída fiscal:
- tributação territorial: após a saída fiscal, o Brasil pode tributar pelo imposto de renda somente rendimentos auferidos no território brasileiro.
- não há declaração de imposto de renda a entregar: para o ano da saída fiscal, entrega-se a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). Nos anos seguintes, não há mais declarações de imposto de renda no Brasil a entregar.
- não há declaração de capitais brasileiros no exterior a entregar: o Banco Central exige a DCBE somente de quem seja residente fiscal no Brasil na data-base da declaração (normalmente 31 de dezembro). Se uma pessoa fez a saída fiscal, não há mais DCBE a entregar.
Repito: atualmente, não há na legislação brasileira a obrigação de entrega de declarações de imposto de renda ou outras declarações pelo não residente, mesmo que tenha bens e renda provinda do Brasil. Em junho de 2020, sugerimos à Receita Federal introduzir no Brasil a declaração de investidor não residente, com o objetivo de facilitar o investimento em bolsa no Brasil, mas nada existe até o momento.
Requisitos para deixar de ser residente fiscal no Brasil
Antes de realizar a Declaração de Saída Definitiva do País, é necessário saber quais requisitos da legislação brasileira devem ser preenchidos. Há algumas diferenças entre a situação de brasileiros e a saída definitiva de estrangeiros no Brasil querendo mudar-se para viver no exterior:
Requisitos para o Brasileiro
- não residir no Brasil em caráter permanente;
- residindo no exterior, não prestar serviços como assalariado a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior;
- se retornar ao Brasil, não fazê-lo com “ânimo definitivo” de aqui permanecer.
Os brasileiros, dessa forma, devem residir “em caráter permanente” no exterior e sem “ânimo definitivo” de permanecerem no Brasil.
Na prática, a escolha desse critério subjetivo causa bastante dúvida na aplicação prática. Por ora, vale guardar a noção mais básica de que, ao deixar o País, a intenção do brasileiro deve ser a de se desfazer dos principais vínculos com o Brasil para viver fora do País. Após a saída fiscal, o brasileiro pode visitar o Brasil eventualmente, mas sem que o seu retorno denote a intenção de voltar a se fixar no Brasil.
Requisitos para o Estrangeiro no Brasil
- não ingressar no Brasil com visto permanente1O “visto permanente” ainda é chamado assim pela legislação tributária. Atualmente, porém, a lei migratória utiliza a expressão “visto temporário com autorização de residência” para se referir a esse tipo de visto.;
- se ingressar no Brasil com visto temporário (por exemplo, como turista):
- não convertê-lo em visto permanente;
- não manter vínculo empregatício;
- não atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos2Lei 12.871/2013.;
- nem permanecer no País mais que 183 dias, consecutivos ou não, dentro de qualquer período de 12 meses;
- se permanecer no Brasil, fazê-lo prestando serviços como assalariado a autarquias ou repartições de Governo estrangeiro situadas no Brasil.
Os estrangeiros, neste contexto, devem prestar atenção ao tipo de visto que têm quando chegam ao Brasil. Para quem converteu o seu visto no registro de estrangeiro (isto é, para quem tem o RNE, registro nacional de estrangeiro), o visto deixa de existir. Isso levanta algumas dúvidas.
Temos defendido que a legislação brasileira presume a aquisição da residência fiscal do estrangeiro com base em elementos objetivos, como a categoria do visto e seu tempo de permanência no País. Nenhuma regra especial foi criada, porém, para a situação do estrangeiro que decide deixar de ser residente fiscal no Brasil.
Por esse motivo, uma vez que o estrangeiro deixe de ter visto e passe a ter o RNE, temos defendido que a saída fiscal do estrangeiro segue os mesmos requisitos da saída fiscal do brasileiro, pautada pela subjetividade do “ânimo definitivo”. Isso leva a ser possível ao estrangeiro entregar a Declaração de Saída Definitiva do País sem perder o RNE, pelo menos no primeiro momento.
Algumas pessoas que atendi me perguntaram se o fato de ter dupla cidadania, isto é, ser brasileiro e português, por exemplo, afeta essa análise. Para quem tem dupla cidadania, basta o fato de ser nacional do Brasil para se aplicarem os mesmos requisitos de um brasileiro acima.
Os requisitos acima valem tanto para que uma pessoa deixe de ser residente fiscal no Brasil como para que, se retornar ao País, não se torne residente fiscal novamente.
Saída temporária, saída definitiva e o tempo de permanência física no Brasil
O tempo de permanência física no Brasil é o elemento que costuma trazer mais dúvidas no processo de Declaração de Saída Definitiva do País, a ponto de se perguntar se existe uma “Declaração de Saída Temporária do País” (não há).
O número de dias no território do País é um critério objetivo utilizado por diversos países (Estados Unidos, Portugal e Emirados Árabes Unidos, para citar apenas três). No Brasil, é levado em conta na aquisição de residência fiscal do estrangeiro com visto temporário, vista acima, e nos acordos internacionais para evitar a dupla tributação. Mas a legislação tributária brasileira é bastante tímida a respeito desse assunto.
Muitas pessoas já me perguntaram se um brasileiro que permaneça fora do Brasil por 12 meses consecutivos torna-se não residente automaticamente, e se por isso deve sempre retornar ao Brasil antes de completar 12 meses de ausência para “não correr o risco” de se tornar não residente. Nossa posição tem sido a de que esse não é o caso.
O critério da legislação tributária brasileira, a nosso ver, é o “ânimo definitivo“. Manter uma moradia, filiar-se a um clube, trabalhar, administrar empresas e desenvolver atividades sociais (filantropia, esporte etc.) são indícios de uma vida ativa no Brasil, mesmo quando o tempo de permanência física deixa de ser contínuo. Em outras palavras, são exemplos de elementos que “fincam raízes”.
No sentido contrário, vir ao Brasil somente para visitar parentes em festas de final de ano ou fazer turismo não são suficientes, isoladamente, para qualificar residência fiscal no Brasil.
Entendemos que não automática a aplicação da regra dos 12 meses3Art. 3º, inc. V, da Instrução Normativa SRF nº 208/2002. Trata-se somente de uma presunção legal de que o brasileiro perdeu o interesse em permanecer residente fiscal no Brasil, que pode ser afastada por outros elementos. A própria RFB, em opinião não vinculante, já apresentou esse entendimento4Solução de Consulta DISIT/SRRF 08 nº 262/2009.
Em razão dessa subjetividade, é perfeitamente possível que um brasileiro se retire do País, viva anos no exterior e ainda assim possa ser considerado residente fiscal no Brasil, como o Carf considerou em 2020, inclusive, no Caso Leandro de Aguiar5Ac. 2301-007.136, CARF, 2ª S., 3ª Câm., 1ª T. Ord., rel. p/ voto Cons. João Maurício Vital, maioria, j. 04.03.2020.. Nesses termos, a legislação brasileira faz distinção entre “saída temporária” e “saída definitiva”.
O que é saída temporária
A saída em caráter temporário do Brasil, ou saída temporária, ocorre quando a pessoa deixa o território brasileiro e permanece no exterior sem formalizar ao Fisco que se ausentou. Uma situação normal em que isso ocorre é quando uma pessoa decide se mudar para o exterior sem saber se conseguirá ali se fixar, e por isso pode ter de retornar ao Brasil no futuro.
A consequência fiscal disso é que, durante os primeiros 12 meses posteriores à saída, a pessoa física continua sendo considerada residente fiscal no Brasil. Nessa hipótese, a pessoa deve manter-se ausente do País durante 12 meses consecutivos para que seja considerada não residente.
Se nada mais afastar essa presunção legal, a pessoa que deseja fazer a Declaração de Saída Definitiva do País e regularizar sua situação perante o Fisco consegue se valer dessa regra para defender que se tornou não residente após decorridos os 12 meses consecutivos de ausência do País, mesmo que tenha perdido todos os prazos para formalizar sua saída fiscal.
O que distingue a saída temporária da saída definitiva
A saída definitiva do País, na regulamentação da Receita Federal, se caracteriza quando a pessoa deixa o território brasileiro e cumpre, dentro dos prazos legais, os requisitos formais para que seja considerada não residente. Para essa hipótese, quando efetua a Declaração de Saída Definitiva do País, o contribuinte perde a condição de residente fiscal no Brasil imediatamente, na data informada para sua saída fiscal.
Portanto, observar os prazos legais é um requisito importante para definir em que data a perda da condição de residente fiscal no Brasil passa a surtir efeitos.
Parte 2: Como fazer a Declaração de Saída Definitiva do País
A legislação tributária prevê duas obrigações a cumprir perante a RFB para formalizar a saída fiscal: (i). a Comunicação de Saída Definitiva (CSD) e (ii). a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). Além disso, o contribuinte deve informar às fontes pagadoras de rendimentos no Brasil a perda da condição de residente fiscal.
Primeira fase: a entrega da Comunicação de Saída Definitiva do País (CSD)
A Comunicação de Saída Definitiva do País, ou CSD, é um formulário eletrônico preenchido no próprio site da RFB. Atualmente, nela são informados alguns fatos básicos referentes à perda da condição de residente fiscal no Brasil, antes de começar o prazo de entrega da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). Informa-se na CSD:
- a data da perda da condição de residente fiscal no Brasil;
- se houver, o nome e CPF dos dependentes que devem acompanhar o contribuinte (por exemplo, esposa e filhos menores);
- se for o caso, o nome, CPF e endereço completo do procurador nomeado pelo contribuinte para realizar quaisquer procedimentos perante a RFB. A principal função da CSD é permitir que o contribuinte ponha seus negócios em ordem antes do período de entrega da DSDP.
Note-se que, para a hipótese de saída definitiva, a data a ser informada na CSD é aquela em que o contribuinte efetivamente deixou o País. Para quem fizer saída temporária, a data a ser informada é o dia seguinte àquele em que o contribuinte completou 12 meses consecutivos de ausência após ter deixado o País. A mesma data será aplicada aos dependentes do contribuinte informados na CSD.
Cartas de comunicação às fontes pagadoras
O formulário de CSD permite também identificar o CPF ou CNPJ das fontes pagadoras no Brasil, para que cartas de comunicação sejam preparadas automaticamente, para informá-las da nova situação do contribuinte. São fontes pagadoras no Brasil, por exemplo, os bancos e corretoras que custodiam aplicações financeiras, o INSS, a administradora do plano de previdência privada e quaisquer outras entidades que pagam renda para o contribuinte.
Isso é importante por causa da tributação brasileira do não residente, pois as fontes pagadoras têm a obrigação de informar à RFB o imposto de renda retido na fonte (IRRF) no pagamento de rendimentos. Os códigos de recolhimento e alíquotas do IRRF podem ser diferentes para residentes e não residentes fiscais.
Dessa forma, caso a fonte pagadora não seja informada, o contribuinte poderá ser tratado pela RFB como residente fiscal. O comprovante de entrega da informação à fonte pagadora é instrumento de prova para evitar essa consequência, ainda que a fonte pagadora continue a recolher o IRRF incorretamente.
A nomeação de um procurador no CSD é facultativa e declaratória. Não supre a necessidade de outorgar uma procuração. Sua função é permitir que o Fisco se comunique diretamente com o procurador durante uma fiscalização das informações de quem faz a saída fiscal. Em algumas situações, a legislação tributária torna o procurador da pessoa física responsável perante o Fisco pelo recolhimento de tributos, em geral quando não retidos pela fonte pagadora (por exemplo, porque a fonte pagadora não foi informada de que o contribuinte não era residente fiscal no Brasil).
A CSD deve ser apresentada até o último dia do mês de fevereiro do ano subsequente ao ano da saída. Isso significa que, para aqueles que deixaram o Brasil em 2023, a CSD deverá ser entregue até 29.02.2024. Para aqueles que deixarem o Brasil em 2022, a CSD deveria ter sido entregue até 28.02.2023.
Efeitos da perda do prazo de entrega da CSD
O site da RFB não permite entregar a CSD de um ano após o prazo. O formulário eletrônico só está disponível durante o prazo de entrega. Dessa forma, quem deixou o Brasil em 2022 e não transmitiu a CSD até 28.02.2023 não conseguirá mais fazê-lo, assim como quem deixou em 2023 deverá transmitir a CSD até 29.02.2024.
A regulamentação dá a mesma consequência para a hipótese de saída temporária e para a hipótese de saída definitiva com perda de prazo6Instrução Normativa SRF 208/2002, art. 2º, inc. V.. Com isso, dá a entender que a consequência da falta de entrega da CSD dentro do prazo é que o contribuinte será considerado residente fiscal no Brasil durante os 12 meses seguintes de ausência, como na saída temporária.
Não concordamos com esse raciocínio, pois a lei é quem escolhe o critério de perda da residência fiscal, e não a Receita Federal. O que importa para a perda da residência fiscal é a situação dos vínculos sociais e econômicos de um indivíduo com a sociedade brasileira, não o cumprimento de uma formalidade dentro de um prazo arbitrário fixado pela RFB, por mais justificado que seja.
Mesmo assim, recomenda-se entregar a CSD dentro do prazo. Trata-se de um meio de comprovar às fontes pagadoras a perda da condição de residente fiscal no Brasil enquanto a DSDP não puder ser entregue. Isso pode evitar que dados incorretos sobre o contribuinte sejam enviados à Receita Federal.
Se deixei o Brasil há vários anos, devo entregar a CSD?
Não. A função da CSD é permitir que o contribuinte se organize antes de estar obrigado à entrega da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). Se o prazo de entrega da DSDP já passou, cabe apenas entregá-la, pagando multa pelo atraso. Nessa hipótese, não há mais como entregar a CSD referente ao ano em que ocorreu a saída fiscal. Para quem não fez a declaração de saída definitiva do Brasil tendo saído há mais de 5 anos, será o caso de pedir atualização dos dados do CPF perante a Receita Federal.
Segunda fase: a entrega da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP)
A Declaração de Saída Definitiva do País, ou DSDP, é uma declaração de imposto de renda especial. Esta abrange o período entre o dia 1º de janeiro e a data da perda da condição de residente fiscal no Brasil, informada na CSD e na própria Declaração de Saída Definitiva.
É uma declaração “de ano quebrado”: durante esse período, o contribuinte se sujeita ao mesmo regime tributário dos demais residentes, e tem direito às mesmas deduções e benefícios fiscais. Pelo restante do ano, já é considerado com o novo status fiscal de não residente e está sujeito à tributação do não residente.
Na Declaração de Saída Definitiva do País se informam os rendimentos auferidos pelo contribuinte que deixou de ser residente fiscal no Brasil durante o final do seu período de residência fiscal no Brasil (isto é, no período entre 1º de janeiro e a data de sua saída). Os rendimentos posteriores, auferidos já na condição de não residente, não devem ser informados.
Para quem decidiu deixar o Brasil em 2023, a Declaração de Saída Definitiva deverá ser entregue em março e abril de 2024, no mesmo prazo de entrega das demais declarações de imposto de renda. Para aqueles que deixaram o Brasil em 2022, a Declaração de Saída Definitiva precisou ser entregue durante os meses de março e abril de 2023.
Como preencher a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP)
Por ser uma declaração de imposto de renda especial, o procedimento de como fazer a Declaração de Saída Definitiva do País é muito semelhante ao de uma declaração de imposto de renda normal (chamado “declaração anual de ajuste”, ou DAA). Apresentamos abaixo somente as diferenças:
- ficha “Saída”: esta ficha existe apenas na DSDP, não na DAA. Nela se informam os mesmos dados preenchidos na CSD (data da saída fiscal e nomeação de procurador residente fiscal no Brasil);
- ficha de Bens e Direitos e ficha de Dívidas e Ônus Reais: por ser uma declaração “de ano quebrado”, nessas fichas informa-se a situação do patrimônio em 31 de dezembro do ano anterior (ou na data de aquisição da condição de residente fiscal no Brasil, se ocorreu no mesmo ano-calendário da DSDP) e a data da saída fiscal. Não se informa o que ocorreu com os bens depois que o contribuinte se tornou não residente;
- ficha do “Carnê Leão” e de Renda Variável: somente os meses de residência fiscal no Brasil podem ser preenchidos;
- sem desconto simplificado: para quem está acostumado com receber restituição de imposto de renda com a entrega da declaração de ajuste anual, a DSDP pode trazer uma surpresa. Só é possível tomar as deduções legais, o que pode afetar bastante o valor da diferença de imposto a pagar ou restituir;
- sem parcelamento: a lei não permite parcelar o pagamento da diferença de imposto a pagar em até 8 (oito) vezes, como na DAA. Em vez disso, o imposto deve ser pago em quota única, até o final do prazo de entrega da DSDP.
São diferenças pequenas, mas que revelam uma lógica própria. Há algumas dificuldades práticas no preenchimento da DSDP por causa disso. Por exemplo, as informações fornecidas por bancos e corretoras abrangem o ano todo, não apenas o período tratado pela DSDP.
Outro ponto é que as fichas referentes ao carnê leão (usada para trabalho não assalariado, rendimentos do exterior e aluguéis) e de Renda Variável não podem ser preenchidas com informações sobre o período de não residência, o que pode gerar problemas de malha fina.
Em suma, faltou design thinking do lado da Receita Federal e do Serpro (empresa pública responsável pela criação de programas de computador para a RFB) ao preparar o leiaute da DSDP.
Cartas de comunicação às fontes pagadoras
Como mencionado no tópico anterior, referente ao preenchimento da CSD, o contribuinte tem a obrigação de informar as fontes pagadoras de rendimentos no Brasil que perdeu a condição de residente fiscal no País. Caso isso não ocorra, as fontes pagadoras continuarão a reportar à RFB a retenção de rendimentos na condição de residente. Isso pode causar inconsistências de dados no sistema da RFB, e daí o risco de que a RFB considere que o contribuinte voltou a ser residente fiscal no Brasil.
Pela nossa experiência prática, a RFB tem exigido comprovação de que cada fonte pagadora foi informada da saída fiscal pela declaração de saída definitiva como condição para permitir a baixa de pendências fiscais indevidas em nome do contribuinte. Isso ocorre mesmo em casos em que há provas abundantes de que o contribuinte deixou de residir no Brasil há mais de cinco anos.
O que ocorre na perda do prazo de entrega da Declaração de Saída Definitiva
Ao contrário da CSD, a Declaração de Saída Definitiva do País pode ser entregue após a perda do prazo. Nesse caso, além de pagar eventual imposto e acréscimos legais pelo atraso, o contribuinte está sujeito à multa de (i). R$ 165,74; ou, se for maior, (ii). de 1% do valor do imposto devido por mês de atraso, até o limite de 20%. O valor do imposto devido é aquele informado na declaração entregue com atraso. A Declaração de Saída Definitiva do País poderá ser transmitida em até 5 anos após o prazo normal de entrega.
É possível também retificar uma declaração de ajuste anual (DAA, a declaração de imposto de renda “normal”) para substituí-la por uma DSDP. Nesse caso, não há cobrança de multa pela entrega com atraso, mas pode haver diferenças de imposto a recolher com multa e juros de mora.
Parte 3: O que muda depois da Declaração de Saída Definitiva do País
Infelizmente, não basta ter certeza de como fazer a Declaração de Saída Definitiva do País, mas também quais as consequências depois disso. Tenho respondido a muitas dúvidas sobre a situação do CPF, como muda a tributação dos rendimentos brasileiros e também como fica a manutenção de contas bancárias, aplicações financeiras e o envio de remessas de câmbio do exterior para o Brasil e vice-versa.
Há vários mitos sobre esses assuntos, o que torna a decisão sobre o cumprimento da legislação um tema mais complexo do que devia ser.
O que ocorre com o CPF de quem se torna não residente ao fazer a Declaração de Saída Definitiva do País
A pessoa física que era residente fiscal no Brasil e efetuou sua Declaração de Saída Definitiva do País não deixa de ter CPF ativo, nem muda seu número de CPF. O CPF é um número de identificação permanente.
Com a formalização da saída fiscal, o que ocorre é que o cadastro do contribuinte no CPF é atualizado com o status de não residente. Nas situações em que a saída não é formalizada adequadamente, e as fontes pagadoras continuam a informar à RFB o pagamento de rendimentos com o código de residente fiscal no Brasil, o CPF pode tornar-se:
- pendente de regularização: na hipótese de omissão da entrega da declaração de imposto de renda ou declaração de saída definitiva, quando a Receita Federal assume que o contribuinte era residente fiscal no Brasil e, portanto, estava obrigado a apresentá-la; ou
- suspenso: um CPF é suspenso quando há uma inconsistência cadastral (por exemplo, por descumprimento de obrigações eleitorais ou divergência na informação de diferentes documentos).
Para consultar a situação cadastral no CPF, a RFB disponibiliza um serviço gratuito em que se emite o “Comprovante de Situação Cadastral no CPF“.
Para quem está com o CPF pendente de regularização, era de fato residente fiscal no Brasil e deixou de apresentar a declaração, a simples entrega, com recolhimento dos impostos e acréscimos correspondentes, é suficiente para regularizar a situação cadastral. Mas, se o contribuinte efetuou a Declaração de Saída Definitiva do País e era não residente, mas se encontra nessa situação, será necessário comprovar o fato documentalmente para a RFB para baixar a pendência.
Para quem está com CPF suspenso, a regularização depende da apresentação de documentos à Receita Federal, listados pela regulamentação.
Vale mencionar que mesmo as pessoas físicas que jamais foram residentes fiscais no Brasil também estão obrigadas a ter CPF se:
- praticarem operações imobiliárias no Brasil;
- possuírem contas bancárias, de poupança ou de investimentos;
- operarem no mercado financeiro ou de capitais no Brasil;
- possuírem bens e direitos sujeitos a registro público ou cadastro específico, tais como imóveis, veículos, embarcações etc.
Por isso, manter um CPF regular e ser considerado não residente são coisas diferentes.
Tratamento tributário do Não Residente: quanto imposto paga quem faz a Declaração de Saída Definitiva do País
O não residente somente deve submeter à tributação brasileira os rendimentos auferidos no território brasileiro, sujeitos à tributação na fonte (isto é, para bens e direitos localizados no Brasil, os respectivos aluguéis, juros, ganhos de capital etc.).
Vale dizer que é perfeitamente possível que uma mesma pessoa seja residente fiscal em dois ou mais países. Por isso, o fato de uma pessoa mudar-se para outro País e nele se tornar residente fiscal não tem impacto no Brasil.
Tratamento tributário do não residente – regra geral
A respeito da tributação do não residente, normalmente o imposto deverá ser retido e recolhido ao Fisco pela fonte pagadora (IRRF), mas há algumas hipóteses em que poderá ser recolhido pelo próprio contribuinte ou por seu procurador. Nos dois casos, cada rendimento ou ganho de capital é tributado isoladamente, não havendo obrigação de apresentar declaração de imposto de renda após o fato nem fazer ajustes em razão de outros rendimentos auferidos no mesmo período.
As mudanças de tributação mais relevantes para quem faz a Declaração de Saída Definitiva do País e deixa a condição de residente fiscal no Brasil para tornar-se não residente são as seguintes:
- rendimentos de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, de aposentadoria, pensão ou da prestação de serviços: 25% de IRRF, sem progressividade. Note-se que, a referida alíquota, o IRRF de 25% pode ser superior ao IRRF do residente fiscal à alíquota progressiva de até 27,5% aplicável ao residente;
- rendimentos de aluguel ou arrendamento: 15% de IRRF, sem progressividade. No caso de aluguel de imóveis, são aplicáveis algumas deduções na apuração da base de cálculo do IRRF também aplicáveis ao residente;
- rendimentos financeiros: via de regra, 15% de IRRF, sem progressividade. Há, porém, situações específicas para as quais se aplicam alíquotas diferentes;
- ganhos de capital na venda de imóveis, participações societárias etc.: alíquotas progressivas de 15% a 22,5% de IRRF, a depender do valor do ganho de capital, exatamente como o residente fiscal no Brasil;
- dividendos: 0% de IRRF, exatamente como o residente fiscal no Brasil, que é isento;
- rendimentos da atividade rural: 15% de IRRF, sem progressividade. Diferentemente do residente fiscal no Brasil, não é possível compensar prejuízos de anos anteriores ou arbitrar a base de cálculo para que corresponda a 20% das receitas da atividade rural.
Outra mudança importante é a data de recolhimento do imposto. Para o residente fiscal no Brasil, o valor do imposto retido pela fonte ou pago pelo contribuinte deve ser recolhido ao Fisco até o final do mês subsequente ao recebimento do rendimento. Com a Declaração de Saída Definitiva do País, para o não residente, o IRRF deve ser recolhido na mesma data do fato gerador, sob pena de já incorrerem multas e juros de mora a partir do dia seguinte.
Regra especial: Não residentes que estão em “paraísos fiscais”
Para os não residentes que mantêm residência em um dos países ou dependências de tributação favorecida (paraíso fiscal), o IRRF será de 25% nas hipóteses acima, exceto para os dividendos. A alíquota de 25% é aplicável como regra geral também às demais hipóteses previstas pela legislação tributária, com poucas exceções.
As demais regras, como aquela referente à data do recolhimento do imposto, permanecem iguais.
Conta bancária do não residente: maior preocupação trazida pela saída fiscal
A experiência que tive com a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) mostra que os principais problemas não advêm da DSDP em si, mas das dificuldades das pessoas manterem contas bancárias no Brasil após formalizarem a saída fiscal. Essa é uma área que mostra a falta de coordenação entre Receita Federal e Banco Central, e que merece mudança o mais rápido possível.
A legislação cambial estabelece várias restrições para não residentes que mantenham ou adquiram ativos financeiros no Brasil. Por esse motivo, a saída fiscal tem por consequência que, a par das obrigações tributárias, também do ponto de vista cambial, bancário e financeiro a mudança para a condição de não residente firmada na Declaração de Saída Definitiva do País tem consequências relevantes.
A primeira delas é com relação à manutenção de contas bancárias. Para manter recursos financeiros aplicados no Brasil em moeda nacional, o não residente que fez Declaração de Saída Definitiva do País está obrigado a manter conta de domiciliado no exterior (CDE) em instituição financeira no Brasil. Isso significa que a pessoa que efetuar saída fiscal será obrigada a encerrar sua conta bancária e abrir nova conta bancária de domiciliado no exterior.
A nova conta pode ser aberta perante o mesmo banco ou em qualquer outra instituição financeira autorizada a operar no mercado de câmbio pelo Banco Central.
Por nossa análise da legislação e também por nossa experiência prática, o Banco Central impõe custos regulatórios muito mais altos para a CDE, de forma que os bancos costumam ter pouco interesse em abrir as novas contas, mesmo para clientes com bom relacionamento. Dessa forma, a abertura da conta de não residente é um dos itens de estudo em um planejamento de saída fiscal do Brasil.
As contas bancárias de domiciliado no exterior admitem investimentos financeiros em poupança e CDB sem custos regulatórios adicionais.
Aplicações financeiras no Brasil: quanto mais rico, mais fácil investir
Podemos afirmar que investir no Brasil para o não residente é a área de maior descompasso entre a regulamentação do Banco Central e da Receita Federal. Pela legislação tributária, as aplicações financeiras do não residente após a Declaração de Saída Definitiva do País podem estar sujeitas ao “regime geral” ou ao “regime especial”.
Em termos bastante genéricos, pode-se afirmar que:
- o “regime geral” equipara o não residente ao residente fiscal no Brasil, de forma que a saída fiscal não implica nem aumento nem redução da tributação de uma pessoa;
- o “regime especial” é um tratamento tributário favorecido concedido a investidores especiais (o “Investidor 4373”). Esses investidores especiais, para gozarem dos benefícios, precisam estar dispostos a investir altos valores no mercado financeiro e de capitais.
Como será visto, a prática leva a que esse assunto seja mais difícil do que deveria.
Regime geral para investimentos financeiros: “olhe, mas não prove”
No regime geral, os não residentes sujeitam-se às mesmas normas de tributação pelo imposto de renda previstas para os residentes fiscais no Brasil, em relação a:
- rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa e em fundos de investimento;
- ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas;
- ganhos líquidos auferidos na alienação de ouro, ativo financeiro, e em operações realizadas nos mercados de liquidação futura, fora de bolsa;
- rendimentos auferidos em operações de swap; e
- rendimentos auferidos em COE (Certificados de Operações Estruturadas).
O regime geral também estende às pessoas físicas não residentes as mesmas isenções das pessoas físicas residentes fiscais no Brasil (dividendos, rendimentos de letras de crédito imobiliárias ou do agronegócio etc.). Também é obrigatória a nomeação de um representante legal para o contribuinte não residente poder investir em bolsa. Esse representante legal é responsável por recolher o imposto de renda das operações realizadas em bolsa, e deve ser designado entre as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central a prestar tal serviço (ou seja, deve ser um banco ou corretora).
Também se sujeitam obrigatoriamente ao regime geral as pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas em países e dependências com tributação favorecida (“paraísos fiscais”)7A lista de “paraísos fiscais” está no art. 1º da Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010..
Na prática, porém, a regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN), ligado ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem impedido que os investidores consigam manter seus investimentos financeiros regulares, dentro do regime geral. Isso ocorre apesar da previsão legal desse regime e do fato de a regulamentação da Receita Federal estar em ordem. Isso fica mais claro quando se busca entender o regime especial do “Investidor 4373”.
Regime especial para investimentos financeiros: especial para poucos
Para aplicação de recursos em outros ativos financeiros no mercado financeiro e de capitais, tais como ações, cotas de fundos de investimento e títulos de renda fixa ou variável, a regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN) exige cadastro do investidor perante o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários)8Vide a Resolução 4.373/2014.. Essa situação especial é conhecida como “Investidor 4373”, em razão de as regras do regime especial estarem previstas hoje na Resolução CMN 4.373/2014.
Quão especial é a tributação do Investidor 4373
Item de renda | Alíquota do Regime Especial | Alíquota do residente fiscal no Brasil (pessoa física) |
---|---|---|
Rendimentos de títulos públicos adquiridos a partir de 16.02.2006, bem como de cotas de fundos de investimento exclusivos para não residentes que possuam no mínimo 98% da carteira em títulos públicos | 0% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Rendimentos de títulos ou valores mobiliários adquiridos a partir de 01.01.2011, objeto de distribuição pública, de emissão por (i). pessoas jurídicas de direito privado não classificadas como instituições financeiras e (ii). de FIDCs constituídos sob a forma de condomínio fechado, cujo originador da carteira não seja instituição financeira, que atendam a requisitos legais específicos | 0% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Ganhos nas operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, inclusive quando se tratar de cotas de fundos de índice | Isento | 15% ou 20% (day-trade) ou 25%-15% (fundos de índice de renda fixa) |
Ganhos nas operações com ouro, ativo financeiro, fora de bolsa | Isento | 15% ou 20% (day-trade) |
Rendimentos e ganhos produzidos pela letra imobiliária garantida (LIG) | Isento | Isento |
Rendimentos e ganhos produzidos por fundos de investimentos cujos cotistas sejam exclusivamente investidores estrangeiros | Isento | Não aplicável |
Rendimentos auferidos nas aplicações em FIP, FICFIP e FIEE (cumpridos requisitos específicos) | 0% | 15% |
Rendimentos auferidos nas aplicações em FIP-IE e FIP-PD&I (cumpridos requisitos específicos) | 0% | 15% ou 0% |
Rendimentos auferidos nas aplicações em fundos de investimento e fundos em cotas de fundos de investimento com carteira em debêntures | 0% | 0% |
Rendimentos e ganhos produzidos por cotas de Fundo de Índice de Renda Fixa cujo regulamento determine que sua carteira de ativos financeiros apresente prazo de repactuação superior a 720 dias | Isento | 15% |
Rendimentos de aplicações em fundos de investimento em ações (FIA) | 10% | 15% |
Rendimentos de operações de swap, registradas ou não em bolsa | 10% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Rendimentos de operações realizadas em mercados de liquidação futura, fora de bolsa | 10% | 15% ou 20% (day-trade) |
Rendimentos produzidos por aplicação financeira de renda fixa | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Ganhos nas operações conjugadas que permitam a obtenção de rendimentos predeterminados, realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, bem como no mercado de balcão | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Demais rendimentos realizados no mercado de balcão organizado ou em bolsa, e em Certificados de Operações Estruturadas (COE) | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Pela experiência, o regime especial é vantajoso para investidores não residentes com um investimento considerável no mercado financeiro e de capitais, tendo em vista o custo cobrado pelas instituições financeiras pela manutenção do cadastro de Investidor 4373.
O custo se justifica pela complexidade do cumprimento das obrigações impostas pelas autoridades competentes (o Banco Central, a CVM e a RFB) e a responsabilidade assumida pela instituição como procuradora do contribuinte perante cada autoridade.
Para o Investidor 4373, é obrigatório nomear uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central como procuradora em relação aos investimentos financeiros no mercado financeiro e de capitais. Note-se que o procurador do Investidor 4373 é um banco autorizado pelo Banco Central a fazê-lo, e não o procurador informado na Declaração de Saída Definitiva do País.
Crítica ao Banco Central: não atrapalhem o regime geral
A experiência que tive com a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) mostra que os principais problemas não advêm da DSDP em si, mas das dificuldades das pessoas manterem contas bancárias no Brasil após formalizarem a saída fiscal. Essa é uma área que mostra a falta de coordenação entre Receita Federal e Banco Central, e que merece mudança o mais rápido possível.
Na prática, o regime geral é a exceção, não a regra. A Resolução 4.373/2014 só prevê a possibilidade de investimento no mercado financeiro e de capitais brasileiro por meio do tratamento do Investidor 4373, que corresponde ao regime especial.
O registro como Investidor 4373 implica custos regulatórios adicionais, mas um tratamento tributário mais favorável. Dessa forma, os custos e benefícios da manutenção de recursos financeiros no Brasil após a saída fiscal precisam ser analisados com cuidado. Infelizmente, não raro esse custo representa, pelo menos, R$ 2 mil (dois mil reais) por mês de manutenção. Isso ocorre mesmo depois de o Banco Central ter dispensado a nomeação do banco como agente custodiante dos investimentos, além de procurador.
O custo do Investidor 4373 é compatível com a finalidade do regime especial: convencer investidores de grande porte a trazerem dólares para o Brasil e investirem no mercado financeiro e de capitais. Foi uma escolha de política pública aprovada em lei, que pode ser discutida ou combatida nas urnas.
O ponto principal é que, com competência para regular somente o regime especial, o CMN (e o Banco Central, em sua regulamentação) atropelaram a lei, exigindo um cadastro caro para todos os investidores, pequenos ou grandes. Essa é a causa dos problemas do não residente com a manutenção de investimentos, e um dos motivos por que as pessoas físicas deixam de cumprir a legislação tributária.
Parte 4: “Não me arrependo de nada”: os riscos assumidos por quem não faz a Declaração de Saída Definitiva do País
Saber o que fazer para cumprir bem a legislação é apenas um lado da moeda. O outro lado, e frequentemente perguntado por clientes, é conhecer o que poderia acontecer caso tudo desse errado. Não raro, por exemplo, atendemos a clientes que estavam preocupados com o que ocorreria dentro do aeroporto, assim que passassem pela alfândega entrando no Brasil.
Como tantos exemplos em nosso País, pouco se sabe sobre os verdadeiros riscos para regularizar a vida, nem se a iniciativa de fazer o certo pode levar a mais problemas do que seguir o caminho errado. O objetivo desta parte final é deixar esse panorama o mais claro possível para quem deseja entregar a Declaração de Saída Definitiva do País.
Possibilidade de dupla residência fiscal
Cada Estado tem poder para fixar suas próprias regras para definição de quem é ou não é residente fiscal em sua jurisdição. As regras expostas nas seções anteriores são aquelas previstas pela lei brasileira. Os Estados Unidos, por exemplo, consideram residente fiscal nos Estados Unidos todo cidadão americano, ainda que nunca tenha pisado o território daquele País.
Em razão de cada jurisdição estabelecer regras de residência fiscal diferentes, é perfeitamente possível que uma mesma pessoa seja residente fiscal em dois ou mais países.
Para quem deseja realizar a Declaração de Saída Definitiva do Brasil, isso significa que (i). obter residência fiscal em outro país não faz uma pessoa tornar-se não residente no Brasil; e (ii). não é necessário a uma pessoa comprovar residir em outro País para deixar de ser residente fiscal no Brasil. Do ponto de vista brasileiro, o que importa é cumprir os procedimentos da saída temporária ou definitiva.
Exceção à regra
Uma exceção a essa regra é o caso em que o contribuinte transfere sua residência fiscal para um país ou dependência de tributação favorecida (“paraíso fiscal”) ou regime fiscal privilegiado9Lei nº 12.249/2010, art. 27.. Para esses casos, a saída fiscal deverá surtir efeitos somente a partir da data em que o contribuinte puder comprovar que:
- passou a residir de fato no país ou dependência, isto é, tenha efetivamente permanecido ali por mais de 183 dias, consecutivos ou não, em um período de 12 meses, ou que ali se localiza a residência habitual de sua família e a maior parte de seu patrimônio; ou
- sujeita-se ali a imposto sobre a totalidade dos rendimentos do trabalho e do capital, com a comprovação do efetivo pagamento desse imposto.
O objetivo da exceção descrita é evitar que a saída fiscal seja utilizada única e exclusivamente para reduzir o pagamento de tributos ao Brasil de maneira artificial, mudando-se formalmente a residência fiscal para um país em que se presume que os rendimentos da pessoa não serão tributados. A lista de paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados foi prevista pela RFB na Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010. Para quem não deseja se mudar para um dos países ou dependências da lista, não é necessário comprovar a aquisição de residência no exterior.
O Brasil firmou acordos internacionais com outros Estados com o objetivo de evitar a dupla tributação, cuja lista está disponível no site da RFB. Esses acordos estabelecem regras que permitem que uma pessoa seja considerada residente fiscal de apenas um dos dois Estados do acordo (as “regras de desempate”), mas sua aplicação depende de análise detalhada do caso concreto e não é reconhecida automaticamente pela RFB, pois depende de prova.
Portanto, mudar-se para o exterior e tornar-se residente fiscal de outro país não dispensa o contribuinte dos procedimentos para formalizar a saída fiscal do Brasil.
Consequências de não formalizar a saída fiscal: Receita Federal do Brasil
O residente fiscal no Brasil tem sua renda tributada em bases universais, enquanto, para o não residente, somente a renda provinda de fonte localizada no território brasileiro sofrerá tributação. Para quem deixou o Brasil sem realizar a Declaração de Saída Definitiva e formalizar sua saída fiscal, o fato implica a obrigação de informar na declaração de ajuste anual (DAA) seu patrimônio e seus rendimentos no exterior anualmente.
Os bens que houver adquirido no exterior em nome próprio ou em conjunto com cônjuge ou companheiro (a depender do regime de bens) também deveria ser declarado, mesmo que o cônjuge ou companheiro não seja residente fiscal no Brasil.
Isso não quer dizer, necessariamente, que o mesmo imposto deva ser pago duas vezes, uma em cada país. O imposto de renda devido no exterior pode ser compensado com o imposto devido no Brasil em algumas circunstâncias, até o limite do valor do imposto brasileiro. Isso dependerá da existência de acordo entre as duas jurisdições ou de reconhecimento da reciprocidade de tratamento (isto é, que mesmo sem acordo, um país permitiria a compensação do imposto pago no outro país).
Por exemplo, o imposto pago no exterior sobre o ganho capital apurado na venda de uma casa poderá ser creditado contra o imposto devido no Brasil por referida venda dentro do mesmo ano-calendário.
Quanto ao prazo de decadência do IRPF
Para o fim de exigência do imposto e acréscimos legais, vale destacar que o prazo de decadência do IRPF é de 5 anos, de forma que a RFB não autoriza a retificação de declarações de imposto de renda pessoa física transmitidas anteriormente ao referido prazo. Dessa forma, as declarações passíveis de retificação são as referentes aos 5 exercícios mais recentes, ou seja, durante o ano de 2023, das declarações dos anos-calendários de 2018 a 2022. O período anterior não pode mais ser retificado.
Caso as autoridades fiscais identifiquem a omissão de bens e rendimentos, o valor do imposto devido poderá ser exigido com multa de ofício, no valor de 75% do imposto devido. Referida multa pode ser agravada para 150%, a depender da constatação de dolo, fraude ou simulação, e também pode ser aumentada caso o contribuinte deixe de prestar informações à fiscalização.
No limite, caso se comprove que a falta de apresentação de informar na DIRPF os rendimentos e bens no exterior não decorreu de erro ou culpa, mas do dolo de eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo, a omissão de bens e rendimentos na declaração de imposto de renda pessoa física pode estar sujeita à previsão do art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, punida com detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. O prazo de prescrição de referida conduta penal é de 4 anos, e sua punibilidade é extinta pelo pagamento integral dos débitos10Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. V; Lei nº 10.684/2003, art. 9º, §2º..
Consequências de não formalizar a saída fiscal: Banco Central do Brasil
A DCBE é uma declaração administrada pelo Banco Central para fins estatísticos, sem ligação com as obrigações fiscais administradas pela RFB. Nela são informados dados sobre os ativos mantidos no exterior na posição do dia 31 de dezembro de cada ano, no caso da declaração anual.
Estão obrigadas à entrega da DCBE as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País que possuam, na data-base de 31 de dezembro de cada ano, bens ou direitos de qualquer natureza detidos no exterior que totalizarem quantia igual ou superior a US$1.000.000,00 (um milhão de dólares dos Estados Unidos), ou seu equivalente em outras moedas.
Vale mencionar que, até 2019, o valor era menor, de US$ 100.000,00 (cem mil dólares). O critério de residência, até 2002, coincidia com a residência fiscal, de forma que todo residente fiscal no Brasil que atender ao requisito mencionado estava obrigado à entrega da DCBE. A partir de 2023, o Banco Central criou um conceito próprio de residência cambial para o mercado de câmbio, mas ainda sem uma declaração específica. Daí a importância de fazer a Declaração de Saída Definitiva do País e formalizar a saída fiscal.
Note-se que, para fins de apuração de referido limite, não é levado em conta o valor dos ativos individualmente, mas sua totalidade. Caso a soma dos ativos individuais seja superior a referido limite, todos eles devem ser declarados.
Para os bens e valores mantidos em conta conjunta de depósitos ou que de outra forma pertençam em condomínio a duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, referido limite deve ser apurado em vista do valor integral dos ativos detidos nessas situações, independentemente da quantidade de titulares da conta ou de condôminos. Além disso, cada um deles, se residente fiscal no Brasil, deverá informar sua participação no bem ou valor (é dizer: informa-se o valor integral do saldo em conta de depósito ou outro ativo, utilizado na apuração do limite de obrigatoriedade, e a participação de 50% do titular em referida conta).
As penalidades administrativas referentes à DCBE são as seguintes:
- multa de 1% (um por cento) do valor sujeito à declaração, até o limite de R$25.000,00, pelo descumprimento dos prazos previstos para a prestação da declaração. Tal multa será reduzida em caso de (i). atraso de 1 a 30 dias na prestação da declaração, hipótese em que a multa corresponderá a 10% (dez por cento) do valor previsto; e (ii). atraso de 31 a 60 dias na prestação da declaração, hipótese em que a multa corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor previsto;
- multa de 2% (dois por cento) do valor sujeito à declaração, até o limite de R$50.000,00, pela prestação incorreta ou incompleta de informações dentro do prazo legal;
- multa de 5% (cinco por cento) do valor sujeito à declaração, até o limite de R$125.000,00, pela não prestação da declaração ou não apresentação de documentação comprobatória ao Banco Central do Brasil das informações fornecidas; e
- multa de 10% (dez por cento) do valor sujeito à declaração, até o limite de R$250.000,00, pela prestação de informação falsa ao Banco Central do Brasil.
Vale mencionar que é possível transmitir com atraso ou retificar as DCBEs referentes ao ano-calendário 2007 e seguintes no próprio site do Banco Central.
Imputação do crime de evasão de divisas
Além das penalidades administrativas acima referidas, importa mencionar a possibilidade de imputação do crime de evasão de divisas, atribuído a “quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”.
Referida conduta penal é sujeita à pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, e o prazo de prescrição de referida conduta é de 12 anos11Lei nº 7.492/1986, art. 22, parágrafo único; Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. III..
Para fins meramente informativos, também são puníveis as condutas penais de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (crime de “lavagem de capitais”), caso referidas condutas sigam-se às condutas de omissão de rendas ou bens ou de evasão de divisas, mencionadas anteriormente. Referido tipo penal, tratado de forma autônoma das demais, prevê a pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa, e seu prazo de prescrição é de 16 anos12Lei nº 9.613/1998, art. 1º; Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. II)..
“Como me descobriram?”: a troca automática de informações entre o Brasil e outros países
Desde 2010, num movimento iniciado pelos Estados Unidos, começou-se a firmar acordos internacionais de troca de informações entre Fiscos. O objetivo é permitir que a troca de informações sirva para fins tributários e penais. A partir de então, formou-se uma rede de acordos da qual o Brasil participa desde 2014 (com os Estados Unidos) e 2018 (com o resto do mundo).
O Brasil e os Estados Unidos celebraram dois acordos internacionais visando à troca de informações tributárias:
- o Acordo para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, ratificado pelo Brasil em 2013;
- o Acordo para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA, de 2015.
Naquilo que nos interessa, o segundo desses acordos permitiu a troca automática de informações entre o Internal Revenue Service e a Receita Federal do Brasil, fornecidas a esses órgãos por Instituições Financeiras. Os Estados Unidos se comprometeram a fornecer ao Brasil as informações de residentes fiscais no Brasil com contas nos Estados Unidos desde o ano-calendário de 2014. As informações a serem repassadas à Receita Federal são as seguintes:
- identificação do Titular de Conta (tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica) e da Instituição Financeira Informante dos Estados Unidos;
- o número da conta relevante;
- o montante bruto total de juros pagos ao Titular de uma Conta de Depósito e o montante bruto total de dividendos de fonte americana pagos ou creditados à conta relevante; e
- o montante bruto total de outros rendimentos de fonte americana pagos ou creditados à conta relevante, desde que as informações a serem prestadas estejam previstas como reportáveis pela legislação doméstica dos Estados Unidos.
Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária
O Brasil também firmou a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária com outros países no âmbito do Common Reporting Standard (CRS), iniciativa do G-20 organizada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) muito semelhante ao FATCA. Como cada país envolvido no CRS assumiu responsabilidades diferentes, os prazos de trocas de informações precisam ser analisados país a país. De forma geral, o Brasil comprometeu-se a trocar informações com outros países a partir de 2018.
Tendo em vista que a implantação efetiva desses mecanismos é recente e depende de iniciativa por parte do Brasil, não temos como avaliar o nível de preparo das autoridades fiscais brasileiras para utilização de dados recebidos automaticamente no cruzamento de informações da DIRPF (malha fina). É recomendável, porém, que a regularização de ativos e rendimentos mantidos no exterior para quem não os informou adequadamente.
Recomendo também a leitura do texto com orientações sobre o tema “como declarar ativos no exterior”, conteúdo atualizado e que ajudará a mantê-lo em dia com o Fisco.
Neste blog você encontrará sempre informações relevantes e atualizadas a respeito do tema, e orientações para evitar problemas com o Fisco e demais autoridades. Fique à vontade para nos relatar sua experiência, compartilhar o conteúdo com outros amigos que necessitem de orientações e entrar em contato conosco através do e-mail contato@tersi.adv.br ou então via WhatsApp. Clique aqui para enviar uma mensagem agora.
Conte comigo!
Referências:
- 1O “visto permanente” ainda é chamado assim pela legislação tributária. Atualmente, porém, a lei migratória utiliza a expressão “visto temporário com autorização de residência” para se referir a esse tipo de visto.
- 2
- 3Art. 3º, inc. V, da Instrução Normativa SRF nº 208/2002
- 4Solução de Consulta DISIT/SRRF 08 nº 262/2009
- 5Ac. 2301-007.136, CARF, 2ª S., 3ª Câm., 1ª T. Ord., rel. p/ voto Cons. João Maurício Vital, maioria, j. 04.03.2020.
- 6Instrução Normativa SRF 208/2002, art. 2º, inc. V.
- 7A lista de “paraísos fiscais” está no art. 1º da Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010.
- 8Vide a Resolução 4.373/2014.
- 9Lei nº 12.249/2010, art. 27.
- 10Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. V; Lei nº 10.684/2003, art. 9º, §2º.
- 11Lei nº 7.492/1986, art. 22, parágrafo único; Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. III.
- 12Lei nº 9.613/1998, art. 1º; Decreto-lei nº 2.848/1940, art. 109, inc. II).
Home ' Fóruns ' Declaração de Saída Definitiva do País em 2023: o que é e por que fazer