Tenho respondido com frequência a dúvidas de clientes vivendo no exterior com intenção de manter suas aplicações financeiras no Brasil após a saída fiscal. Já publiquei textos sobre a declaração de saída definitiva, investir no Brasil morando no exterior, o investimento financeiro do não residente e os cruzamentos de dados pela Receita Federal, e espero que sejam úteis para elucidar essas dúvidas.
O fato, porém, é que pessoas experimentam problemas porque há uma falha regulatória profunda, e é vergonhoso constatar como a falta de coordenação entre a Receita Federal e o Banco Central prejudica o País.
O objetivo deste texto é, portanto, sintetizar os problemas que a pessoa que vive no exterior encontra quando procura formalizar sua condição de não residente e, ao mesmo tempo, manter suas aplicações financeiras. Quando cabível, será feita referência a textos já publicados que contêm maiores detalhes.
Primeiro dilema: a comunicação aos bancos e corretoras
Pela regulamentação da Receita Federal do Brasil (RFB), a pessoa que apresenta a Comunicação de Saída Definitiva (CSD) ou a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) tem o dever de comunicar as fontes pagadoras de rendimentos no Brasil sua situação como não residente1Vide art. 3º, §2º, da Instrução Normativa SRF nº 208/2002.. O motivo para a exigência é o fato de que a própria RFB não pode fazê-lo, por infringir o dever de proteção do sigilo fiscal2Vide art. 198 do CTN..
Os bancos e corretoras no Brasil são fontes pagadoras, pois pagam ou intermediam juros, dividendos e demais rendimentos financeiros. A comunicação pode ser feita por carta, e a própria Receita Federal prepara um modelo automaticamente. Após a entrega, a fonte pagadora está obrigada a reter o imposto de renda na fonte (IRRF) com as regras aplicáveis ao não residente.
Ao comunicar o banco ou corretora para cumprir seu dever, o não residente recebe a informação que não pode manter junto à instituição sua própria conta bancária e aplicações financeiras no Brasil. Alguns clientes já deram relatos de que os gerentes preferem não ser comunicados formalmente, como única forma de manterem o relacionamento com o cliente.
Note-se que nada disso se refere à regulamentação da RFB. O ponto é que bancos e corretoras devem observar a regulamentação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional (CMN), com foco completamente diferente.
Segundo dilema: manter conta bancária após a saída fiscal
A regulamentação do Banco Central proíbe os bancos de manterem as contas de depósito à vista normais para não residentes3Vide Circular no. 3.691/2013, arts. 168-186.. Estes só podem operar contas de domiciliado no exterior (CDEs), contas bancárias especiais para que o Banco Central possa manter controle sobre os valores mantidos por não residentes no País. Isso tem impacto direto na manutenção de aplicações financeiras no Brasil vinculadas a essas contas.
As CDEs estão sujeitas a um controle rígido e desproporcional. Em termos regulatórios, o dinheiro transferido da fonte brasileira para uma CDE é tratado como um dinheiro transferido para o exterior, mesmo para transferências em reais.
Os bancos estão obrigados, portanto, a documentar as “saídas de divisas” para dentro da CDE como se fossem operações de câmbio. Mas a regulamentação do Banco Central se destina ao banco, não ao correntista. Para o não residente que decide comunicar sua saída fiscal, o que interessa é que o banco não manterá sua conta bancária normal. O banco tampouco tem obrigação de abrir a CDE, e o rigor exigido pelo Banco Central dá pouco incentivo econômico para que a CDE seja oferecida como produto financeiro.
Infelizmente, as dificuldades não se esgotam com a dificuldade na abertura da CDE. A CDE é uma conta bancária, a qual se vinculam as aplicações financeiras no Brasil, também afetadas.
Terceiro dilema: preservar investimentos financeiros após a saída fiscal
Do ponto de vista tributário, o tratamento de aplicações financeiras no Brasil é favorável. A RFB permite que o não residente escolha dois regimes de tributação diferentes para os seus investimentos financeiros4Vide arts. 85-87 e 88-99 da Instrução Normativa RFB no. 1.585/2015., o regime geral e o regime especial, também conhecido como “Investidor 4373”.
O raciocínio por trás dos dois regimes é bastante sólido. O regime geral deve ser a regra geral, e o regime especial deve ser a exceção:
- no regime geral, as aplicações financeiras no Brasil são tributadas pelo imposto de renda da mesma forma que o residente fiscal no Brasil.
- A RFB impõe a indicação de um representante legal que se responsabiliza pelo recolhimento do imposto de renda sobre os ganhos líquidos realizados em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, com ouro (ativo financeiro) e em operações de liquidação futura fora de bolsa. Para as demais aplicações financeiras, não é necessário representante legal;
- no regime especial, criado como incentivo fiscal para atrair investidores institucionais (fundos de pensão, fundos soberanos etc.), o investidor goza de favores fiscais diversos, como isenção de ganhos em operações em bolsa e de juros de títulos públicos.
- Este regime aplica-se somente a beneficiário residente ou domiciliado no exterior que atender às normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), além de alguns requisitos adicionais da RFB.
O dilema, neste caso, decorre da regulamentação do CMN. A CDE admite somente investimentos financeiros em poupança, CDB do próprio banco e em previdência privada. Para a aplicação de recursos em demais ativos financeiros (ações, fundos de investimento, títulos públicos etc.), o não residente deve cumprir os requisitos do regime especial5Vide art. 1º da Resolução CMN nº 4.373/2014.. Ou seja, o regime especial torna-se a regra, não a exceção. Torna-se impossível optar pelo regime geral, mesmo que o investidor deseje.
Pela experiência, algumas instituições financeiras podem cobrar atualmente entre R$ 2 mil e R$ 5 mil por mês para cumprimento dos requisitos do CMN. Esse custo é perfeitamente aceitável para um investidor institucional, a quem o regime especial se destina. Mas é inviável para pequenos investidores. Este é o ponto em que a regulamentação falhou.
O resultado da norma é a surpresa que todo não residente tem sentido quando comunica a seu banco ou corretora que perdeu a condição de residente fiscal no Brasil. Mesmo que abra uma CDE, o custo do regime especial é inaceitável para muitos. E isso leva a que o relacionamento com o banco ou corretora seja encerrado e as aplicações financeiras no Brasil, liquidadas.
O que fazer?
Não há uma resposta óbvia para a situação de toda pessoa que vive no exterior. Os pontos acima aplicam-se somente para os não residentes, de forma que não são afetados aqueles que vivem no exterior, mas mantêm residência fiscal no Brasil (a situação de dupla residência fiscal).
Para os não residentes, seguir a legislação na forma prevista pela RFB, pelo Banco Central e pelo CMN implica comunicar bancos e corretoras e assumir os custos da CDE e da observância do regime especial. A alternativa é liquidar investimentos e aplicações financeiras no Brasil.
Já analisei casos em que contribuintes, em geral por desconhecimento, formalizam a saída fiscal, mas deixam de cumprir o dever de comunicar as fontes pagadoras. Para esses casos, há o risco de a RFB, no cruzamento de informações, assumir que o não residente reassumiu residência fiscal no Brasil. Sobre referida situação, já tratamos sobre o que ocorre e como solucionar os problemas de cruzamentos de dados pela Receita Federal que costumam surgir.
Estamos hoje num contexto regulatório bastante diferente daquele em que a maior parte dessas regras se originou. A comunidade brasileira no exterior é mais vasta e capilarizada, com necessidades próprias, às quais também compete ao Estado brasileiro atender. Utilizando a expressão de um de nossos clientes, “ninguém deixa o País apagando a luz, sem deixar nada para trás”.
Repressão financeira não se justifica. O mercado de capitais brasileiro é mais maduro, e tem interesse em manter pequenos investidores, sejam brasileiros ou estrangeiros. Está claro que o Banco Central e o CMN deveriam facilitar a situação daquele que viveu e trabalhou no Brasil e pretende continuar a investir em nosso mercado, mesmo vivendo no exterior.
Neste blog você encontrará sempre informações relevantes e atualizadas a respeito do tema, e orientações para evitar problemas com o Fisco e demais autoridades. Fique à vontade para nos relatar sua experiência, compartilhar o conteúdo com outros amigos que necessitem de orientações e entrar em contato conosco através do e-mail contato@tersi.adv.br ou então via WhatsApp. Clique aqui para enviar uma mensagem agora.
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Referências:
- 1Vide art. 3º, §2º, da Instrução Normativa SRF nº 208/2002.
- 2Vide art. 198 do CTN.
- 3Vide Circular no. 3.691/2013, arts. 168-186.
- 4Vide arts. 85-87 e 88-99 da Instrução Normativa RFB no. 1.585/2015.
- 5Vide art. 1º da Resolução CMN nº 4.373/2014.
Autor
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Vinicius Tersi é advogado e especialista em Direito Tributário Internacional. Graduado também em Contabilidade e com Mestrado em Direito Tributário pela USP, está familiarizado com diferentes sistemas jurídicos e contábeis. É especialista em transações internacionais para empresários e famílias com residência fiscal e ativos em múltiplas jurisdições. Tem habilitação para atuar no Brasil e em Portugal.
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