Quando escrevi nosso texto sobre saída temporária, abordei algumas situações em que uma pessoa deixou de viver no Brasil e simplesmente parou de apresentar declarações. Um ponto que mencionei ali foi que a Receita Federal (RFB) tem entendimento que permite reconhecer que uma pessoa deixa de estar obrigada a apresentar declarações de imposto de renda no Brasil 12 meses após a partida, passando a ser tratada como não residente. Ainda assim, para quem mora no exterior e não formalizou sua saída fiscal, é recomendável formalizar o status de não residente perante a Receita Federal, de forma a evitar riscos.
Ao utilizarmos o título “Não fiz Declaração de Saída Definitiva do Brasil”, cabe reforçar que este texto trata de quem não mais apresentou declarações no Brasil depois da saída, e nada formalizou. Se houve entrega de declarações após a saída, pode ser o caso de regularização patrimonial ou de dupla residência fiscal.
O objetivo deste texto é falar desses riscos, principalmente focando nos seguintes aspectos:
- como fica a situação do cadastro do CPF enquanto o status fiscal não for atualizado;
- como fica o ônus de comprovar o que aconteceu, em caso de uma fiscalização;
- como fica a situação de rendimentos auferidos no Brasil na condição de não residente; e
- como fica o retorno ao Brasil, caso se pretenda um dia voltar a ser residente fiscal no Brasil tendo patrimônio e renda formados no exterior antes do retorno.
Não fiz Declaração de Saída Definitiva do Brasil: como fica o CPF
Uma das dúvidas mais frequentes a respeito da saída fiscal do Brasil é a respeito da situação do CPF, principalmente se pendente de regularização. Valem aqui mencionar apenas os detalhes principais.
A declaração de saída definitiva e o cadastro no CPF
A transmissão da Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) atualiza automaticamente o cadastro de uma pessoa no CPF, tornando-a não residente a partir da data de saída fiscal mencionada na DSDP.
Por isso mesmo, se a DSDP nunca foi transmitida, então a situação cadastral no CPF de uma pessoa continua desatualizada. Na ausência de maiores informações, portanto, a pessoa continuará sendo tratada como residente fiscal no Brasil, pelo menos para fins de cadastro e cruzamento de dados. Nesse caso, pelo menos em princípio, a RFB poderia querer cobrar impostos sobre os rendimentos auferidos no exterior após a saída.
“CPF regular” não quer dizer que a pessoa tenha se tornado não residente
A informação a respeito do status de uma pessoa como residente fiscal no Brasil ou não residente ainda é um dado escondido. Trata-se de uma informação vinculada ao CPF, mas que até o momento não está disponível para consulta nem mesmo no eCAC (Portal da RFB para que o contribuinte consulte seus próprios dados). Somente com atendimento presencial da RFB ou é possível confirmar se a informação cadastral do CPF está correta ou não.
É comum me perguntarem se o fato de a situação cadastral no CPF informar “CPF regular” quer dizer que a pessoa consta como residente ainda, ou como não residente. O “CPF regular” nada tem a ver com o status fiscal do contribuinte. A RFB só quer dizer que não foram encontrados motivos para irregularidade no cruzamento de dados que a RFB faz.
Quando a situação do CPF se encontra “pendente de regularização”, isso significa que fontes pagadoras informaram à Receita Federal que o contribuinte recebidos rendimentos do Brasil na condição de residente fiscal no Brasil. Também significa que o volume desses rendimentos foi suficiente para que a declaração de imposto de renda fosse obrigatória, e nada foi entregue. Pela nossa experiência, isso ocorre, sobretudo, quando foram feitas operações em bolsa, ou quando houve resgates de previdência privada, salários ou pró-labore em valores substanciais.
Para esse tipo de caso, especialmente quando há também bloqueio de valores, é necessário transmitir a declaração faltante ou apresentar documentação à Receita Federal para comprovar que as fontes pagadoras forneceram informações incorretas à RFB.
Ônus da prova em caso de fiscalização
Como analisado com mais profundidade pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) no Caso Leandro de Aguiar, a entrega de declarações de imposto de renda é um elemento de prova para considerar a existência de ânimo definitivo, ou seja, para saber se uma pessoa ainda deve ser considerada residente fiscal no Brasil, mesmo vivendo no exterior.
Isso é coerente com a posição de que, para fins cadastrais, se o CPF está com informações desatualizadas, cabe ao contribuinte comprovar esse fato, pois o próprio contribuinte tinha o dever de prestar informações corretas e atualizadas sobre sua situação para o Fisco. A prova em questão pode ser simples, mas o Fisco não deve assumir que o contribuinte esteja correto sem alguma confirmação.
Dessa maneira, a entrega da DSDP é um benefício, porque atualiza o cadastro no CPF e é um elemento de prova. A partir da sua entrega é possível dizer que o ônus da prova se inverte: passa a ser do Fisco a tarefa de comprovar que o contribuinte prestou declaração incorreta ou falsa, e que por isso o contribuinte deveria continuar a ser tratado como residente fiscal no Brasil.
Não fiz Declaração de Saída Definitiva do Brasil: um caso prático respondido pela Receita Federal
A Receita Federal, por meio da Cosit (Coordenação-Geral de Tributação) respondeu em 2021 a Pedido de Consulta justamente sobre o tema deste post1Solução de Consulta Cosit 63/2021.. Naquele caso, uma mulher mudou-se para os Estados Unidos em 1998, e lá se casou e continuou vivendo até os dias atuais. Pelo relato, aparentemente, em nenhum momento foi apresentada a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP), ou qualquer outra declaração foi entregue nos anos seguintes.
Após o divórcio, ocorrido em 2013, essa pessoa recebeu na partilha um imóvel situado na Flórida, que pretendeu vender antes de se mudar de volta para o Brasil. Perguntou à Receita Federal, nesse caso, se houve a obrigação de declarar o imóvel todos esses anos, se a venda dele seria tributável no Brasil e se o patrimônio poderia ser declarado no Brasil somente após o retorno ao País.
Apesar de a Solução à Consulta ter utilizado a regulamentação vigente em 1998, a essência das orientações continua a mesma, e já tratamos de casos envolvendo clientes com situação de vida semelhante.
Como ficam os rendimentos auferidos no exterior
A Solução à Consulta deixou claro que, se a Declaração de Saída Definitiva do País não foi entregue no tempo certo, e nenhuma declaração foi entregue posteriormente, então a pessoa continuaria sendo tratada como residente fiscal no Brasil somente nos 12 primeiros meses de ausência do Brasil, e depois seria considerada não residente (regra da “saída temporária”)2Parecer Normativo Cosit 3/1995..
Se esse era o caso, então também a Consulente continuaria obrigada a apresentar declarações de imposto de renda no Brasil somente pelo primeiro período de 12 meses de ausência. Depois disso, não precisaria mais apresentar declarações. Isso significa também que não havia obrigação de declarar o imóvel adquirido na Flórida. Também quer dizer que eventual ganho de capital da venda do imóvel antes do retorno ao Brasil não estaria sujeita à tributação brasileira.
Como fica o retorno ao Brasil
A Solução também esclarece que, retornando ao Brasil com ânimo definitivo, a pessoa readquire o status de residente fiscal no Brasil, e passa a estar obrigada a declarar todo o patrimônio e renda que possuir a partir do seu retorno. Não é necessário pagar imposto de renda sobre a renda recebida antes do retorno à condição de residente fiscal no Brasil.
Não fiz Declaração de Saída Definitiva do Brasil: conclusões
É realmente positivo quando temos uma Solução de Consulta vinculante e favorável ao contribuinte. Isso oferece uma segurança jurídica preciosa, e aplicável a qualquer fiscalização se e quando houver problemas. Com base no tema, é possível resumir o tema da seguinte maneira:
1. Sua informação de CPF perante a Receita Federal está desatualizada
A entrega da Declaração de Saída Definitiva do País não cancela o CPF, só o atualiza. Enquanto não for entregue, a pessoa continua constando como se residente fiscal no Brasil fosse, para fins de cadastro e cruzamento de dados com a Receita Federal.
Há muita desinformação a respeito da situação do CPF de quem passa pelo processo de saída fiscal. Trata-se de um tema mais simples do que parece.
2. CPF desatualizado, mas sem entrega de declarações de imposto de renda no Brasil, ainda tem solução
Se nenhuma declaração de imposto de renda foi entregue no Brasil após a saída fiscal, o contribuinte tem que fazer prova do fato, mas mesmo assim a Receita Federal aceita correções. Mais complicado é para quem vive uma “vida dupla”, agindo como residente fiscal no Brasil sem informar dados de sua vida no exterior.
Uma Solução de Consulta não discute provas. Apenas se pronuncia sobre uma situação prática minimamente comprovada, e assume a veracidade dos fatos discutidos. Dessa forma, não houve ali discussão sobre o ônus da prova, pois a prova estava feita. De qualquer forma, tem sido nossa experiência que a prova perante a Receita Federal não é complexa.
Para quem não apresentou a DSDP nem apresentou declarações posteriores, mas tem uma vida coerente com a situação de não residente, é recomendável formalizar esse status com a entrega da DSDP. Isso facilita a discussão porque, se um dia houver qualquer discussão com o Fisco, parte-se de informações corretas e atualizadas, e assume-se que o contribuinte está correto. É mais difícil quando o ônus da prova recai no contribuinte.
3. É importante resolver o problema, principalmente se houver intenção de voltar ao Brasil
Se nenhuma declaração de imposto de renda foi entregue no Brasil após a saída fiscal, o contribuinte tem que fazer prova do fato, mas mesmo assim a Receita Federal aceita correções. Mais complicado é para quem vive uma “vida dupla”, agindo como residente fiscal no Brasil sem informar dados de sua vida no exterior.
Resolver a questão previamente é algo que deixa mais claro que não havia o dever de recolher impostos sobre a renda auferida no exterior antes do retorno. Assim, formalizar a saída fiscal facilita o retorno, pois não se questiona se houve declarações no meio do caminho que deixaram de ser entregues.
Neste blog você encontrará sempre informações relevantes e atualizadas a respeito do tema, e orientações para evitar problemas com o Fisco e demais autoridades. Fique à vontade para nos relatar sua experiência, compartilhar o conteúdo com outros amigos que necessitem de orientações e entrar em contato conosco através do e-mail contato@tersi.adv.br ou então via WhatsApp. Clique aqui para enviar uma mensagem agora.
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Referências:
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Autor
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Vinicius Tersi é advogado e especialista em Direito Tributário Internacional. Graduado também em Contabilidade e com Mestrado em Direito Tributário pela USP, está familiarizado com diferentes sistemas jurídicos e contábeis. É especialista em transações internacionais para empresários e famílias com residência fiscal e ativos em múltiplas jurisdições. Tem habilitação para atuar no Brasil e em Portugal.
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