No último dia 25 de fevereiro, tive a feliz oportunidade de reunir-me com o Assessor Especial do Ministro da Economia, Isaías Coelho, juntamente com os seguintes membros da Receita Federal do Brasil: Fernando Mombelli, subsecretário de Tributação e Contencioso, Roni Peterson Bernardino de Brito, Assessor da Subsecretaria de Tributação, e também Mariana Sinicio, Consultora de Relações Governamentais da Sinicio & Benatti. O objetivo da reunião foi o de apresentar 4 sugestões para o Ministério da Economia acerca da Reforma Tributária do IRPF, a fim de tornar as regras tributárias mais claras e simples, evitando as contradições que investidores estrangeiros no Brasil e investidores brasileiros no exterior têm de lidar atualmente.
Para isso, apresentamos algumas das diversas dificuldades enfrentadas para quem mora no exterior e investe no Brasil, sejam cidadãos brasileiros que vivem no exterior e entregaram a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP), ou investidores estrangeiros que pretendem investir no Brasil.
Defendemos que a falta de clareza das regras brasileiras prejudica a realização de investimentos no País, especialmente pelas confusas orientações sobre o correto cumprimento das obrigações tributárias e cambiais. Em virtude disso, sugerimos 4 soluções:
- Regras mais claras para definir o status fiscal de uma pessoa, seja como residente fiscal no Brasil ou como não residente;
- Regras mais simples para a tributação da renda de investimentos financeiros no exterior;
- Permitir a criação de uma declaração de imposto de renda facultativa, voltada a investidores não residentes no Brasil;
- Criar uma certidão de residência fiscal no Brasil, para facilitar que brasileiros obtenham incentivos fiscais no exterior perante autoridades fiscais estrangeiras.
Neste texto, falarei brevemente sobre as sugestões realizadas, a fim de aprofundá-las posteriormente em textos específicos para cada uma delas.
1. A residência fiscal e “o ânimo definitivo”
Uma das principais questões levantadas por nós no debate sobre a Reforma Tributária refere-se ao conceito tributário de residência, a partir da aplicação da noção de “ânimo definitivo” e sua referência ao Código Civil. É possível perceber que mesmo os órgãos públicos apresentam informações confusas, como nas orientações oferecidas pelo Governo Brasileiro para a OCDE no âmbito de troca de informações dentro do Common Reporting Standard (CRS), que estão incompletas e sequer fazem referência à regulamentação atualizada da Receita Federal1Vide Instrução Normativa SRF 208/2002..
Ademais, pela Nova Lei Cambial2Lei nº 14.286/2021, art. 1º., permitiu-se que o Banco Central fixasse um critério de residência próprio para fins cambiais, que até então deveria ser o mesmo critério utilizado pela Receita Federal. Isso deverá prejudicar ainda mais o investimento a partir de 2023, quando a Nova Lei Cambial entra em vigor. A partir de então, teremos duas autarquias com critérios diferentes de interpretação da situação de um indivíduo.
Em virtude desse cenário, propusemos que seja adotado um critério de residência fiscal que preserve o vínculo com o conceito de domicílio civil hoje existente, mas com normas que harmonizem-no com o conceito que deverá ser seguido pelo Banco Central para fins cambiais e estatísticos, de forma que, o mais possível, o critério adotado pelas duas autarquias seja o mesmo dentro de suas respectivas competências.
Além disso, sugerimos que a Lei preveja regras específicas para casos especiais, como o de estudantes, pacientes médicos e profissionais “embarcados” (como tripulantes de navios, aeronaves, plataformas petrolíferas, estações espaciais etc.), além de diplomatas, militares e outros servidores públicos em missão, profissionais vinculados a organizações internacionais, trabalhadores transfronteiriços, indivíduos com trabalho que exige alta mobilidade e refugiados, dadas as características especiais da vida de pessoas em cada um destes cenários.
Uma outra proposta apresentada foi para se prever de forma clara, e menos casuística, como fica o cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias no ano de transição entre a condição de residente fiscal no Brasil para não residente, e vice-versa. Para isso, sugerimos que todas as declarações de imposto de renda tenham o mesmo formato, com uma ficha de situação especial, em que se informe se houve no período a aquisição ou a perda de residência fiscal no Brasil e as datas correspondentes.
Um formato único de declaração também permitiria facilitar o compliance em situações não previstas pelo formato atual da declaração de imposto de renda, mas ainda assim possíveis juridicamente, como quando um dos membros de um casal é residente fiscal no Brasil e o outro não, porque trabalha a partir do exterior sustentando a família no Brasil.
2. Tributação de Investimentos Financeiros no Exterior
Tratamos anteriormente da Reforma Tributária do IR proposta em 2021 pelo Governo, no PL 2.337/2021. Em seu formato original, o projeto trouxe inovações consideráveis na tributação de investimentos financeiros, como:
- redução das alíquotas para 15% (quinze por cento) em diversas situações;
- simplificação da apuração da base de cálculo, com apurações trimestrais dos ganhos líquidos em bolsa e mercado de balcão, sem distinção entre operações normais e de day-trade, e com come-cotas anual em vez de semestral;
- norma transitória em que os fundos fechados passem a se submeter ao come-cotas, pagando, na transição, 10% em vez de 15% sobre o estoque de rendimentos acumulados se recolherem espontaneamente o tributo dentro de um prazo pré-estabelecido.
Essas mudanças foram aprovadas pela Câmara e permanecem até o momento em discussão no Senado Federal.
Um ponto que o PL 2.337/2021 deixou de tratar foi a tributação dos mesmos investimentos financeiros feitos no exterior por residentes fiscais no Brasil. As regras atuais3Vide Instrução Normativa SRF nº 118/2000 e o art. 16 da Instrução Normativa SRF nº 208/2002. são extremamente confusas, trabalhosas e geralmente descumpridas pelos contribuintes.
Ademais, a forma de operação das regras atuais também é excessivamente trabalhosa. As operações financeiras sujeitas às regras de ganho de capital em moeda estrangeira realizadas diretamente pela pessoa física precisam ser informadas uma a uma, em vez de por período.
Dessa forma, sugerimos, além de uma ficha única para informar os investimentos em bolsa realizados no Brasil e no exterior, as seguintes melhorias no nosso aparato fiscal:
- Conversão de câmbio: Pode-se adotar como regra geral a utilização do câmbio da data de aquisição/alienação do investimento, facultando que seja adotado, para simplificação, o câmbio do último dia útil do período de apuração;
- Custo de aquisição: Pode ser facultado ao contribuinte a opção pelo custo médio ponderado ou pelo método PEPS (primeiro-que-entra-é-o-primeiro-que-sai, como é permitido na contabilidade de estoques para fins de IRPJ e CSLL), desde que a adoção seja consistente.
- Qualificação de juros e dividendos: Pode-se realizar a unificação de juros e dividendos recebidos no exterior à mesma alíquota, de 15%, sempre que se referirem a investimentos de portfólio (isto é, sem controle ou influência significativa). Isso reduziria a complexidade, inclusive para a situação dos fundos de investimento, que geralmente não adotam, no exterior, a forma de “comunhão de recursos constituída sob a forma de condomínio”, preferida pela lei brasileira. Alternativamente, os rendimentos dos fundos de investimento no exterior poderiam ser equiparados a aplicações financeiras de renda fixa ou variável e sujeitos à mesma tributação, independentemente da qualificação adotada pela jurisdição de origem do fundo. Bastaria, nesse caso, confirmar que o fundo de investimentos atende ao critério da jurisdição local para ser assim qualificado.
- Compensação do imposto estrangeiro: Seria preferível permitir aproveitar o imposto pago no exterior em todas as circunstâncias em que o imposto estrangeiro tenha características iguais ou semelhantes ao imposto de renda brasileiro, como faz, por exemplo, a legislação dos Estados Unidos. Mais eficiente seria deixar claro ser possível compensar o imposto devido no exterior sempre que relativo a rendimento de fonte estrangeira, ainda que este seja pago posteriormente ao imposto brasileiro, condicionando-se o reconhecimento da compensação à comprovação do pagamento posterior do imposto estrangeiro;
A ideia é realmente tratar o investimento financeiro no exterior de forma semelhante ao mesmo investimento financeiro feito no Brasil, e de forma a minimizar a possibilidade de dupla tributação.
3. Declaração de Investidor Não Residente, de caráter facultativo
Atualmente, a legislação brasileira prevê que o não residente não deve entregar declarações de
imposto de renda após a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP), a não ser que volte a
assumir a condição de residente fiscal no Brasil.
Apesar da intenção benéfica, há situações em que é preferível facultar ao investidor não residente
apresentar uma declaração que envolva somente a renda e patrimônio no Brasil. Isso existe em
países como os Estados Unidos e Países Baixos, por exemplo.
Entendemos que previsão semelhante seria favorável para pessoas que investem em imóveis,
com relação a ganho de capital e aluguéis, e também para pequenos investidores.
Atualmente, a lei brasileira (dos anos 1940) prevê a necessidade de nomeação de procurador
residente no Brasil para recolher o IRRF incidente sobre os aluguéis. Não há, na prática, uma
maneira clara de declarar esses rendimentos, pois o Manual da Dirf não estabelece a obrigação
do procurador de entregar a Dirf, apesar de ser ele o responsável pelo pagamento do imposto.
A maior parte dos contribuintes hoje quer recolher o imposto espontaneamente e em nome
próprio, mesmo morando no exterior. E a maior parte desses contribuintes entrega a declaração
de ajuste anual por engano, acreditando estar cumprindo a legislação tributária.
A proposta é que se mantenha o formato atual de tributação exclusiva na fonte, com a fonte
pagadora sendo o substituto tributário, exceto quando o investidor não residente apresente uma
declaração de imposto de renda informando os rendimentos respectivos.
4. Criação de uma certidão de residência fiscal, passível de ser emitida através do e-CAC.
Atualmente, a Receita Federal emite o “Atestado de Residência Fiscal no Brasil” para quem faz uso de acordo internacional para evitar a dupla tributação. O Atestado foi previsto pela Instrução Normativa RFB 1.226/2011.
A referida Instrução Normativa diz servir para fornecer informações sobre a situação fiscal de uma pessoa física ou jurídica, seja de interesse da autoridade tributária brasileira ou estrangeira. No entanto, a emissão desse atestado tem sido negada para situações mais simples, em que o contribuinte precisa comprovar para autoridade fiscal estrangeira que era residente fiscal no Brasil em data anterior.
Além disso, o próprio status de residente ou não residente não é uma informação disponível no atendimento via e-CAC. No e-CAC consegue-se visualizar somente o endereço informado como domicílio fiscal (que pode ser localizado no Brasil para o não residente ou no exterior para o residente fiscal). A informação quanto ao status fiscal só é divulgada em atendimento presencial, retirando-se um extrato detalhado da situação do cadastro do contribuinte no CPF.
A proposta é disponibilizar a informação no e-CAC e permitir que ali o contribuinte emita uma “certidão de residência fiscal”, replicando os dados do contribuinte que já existem na base de dados da Receita Federal. A informação pode ser emitida pelo sistema com validação da sua veracidade (como já feito para certidões negativas de débitos) e, caso a autoridade fiscal estrangeira exija mesmo assim a assinatura de um servidor, pode-se requerer por dossiê digital de atendimento a validação da informação da certidão por auditor fiscal.
Resultado da discussão
O saldo geral da reunião foi bastante positivo, o que considero uma pequena vitória para nosso País e seus contribuintes. Foi combinado fazermos possíveis sugestões de texto de lei ou de regulamentação da lei existente, para serem avaliados pelo Ministério da Economia e pela Receita Federal, o que devemos fazer tópico a tópico nas próximas semanas.
Ressalto que estas sugestões são resultado da minha experiência atendendo aos diversos clientes que leem estes conteúdos e se interessam pelo nosso trabalho. E, também, da minha inquietação com a maneira como o Fisco brasileiro opera atualmente, aquém da necessidade de melhoras do País.
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Referências:
- 1
- 2Lei nº 14.286/2021, art. 1º.
- 3Vide Instrução Normativa SRF nº 118/2000 e o art. 16 da Instrução Normativa SRF nº 208/2002.
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