Quando este blog foi iniciado, em 1º de novembro de 2018, minha motivação foi a indignação que senti com as dificuldades impostas pelo Estado brasileiro para que pessoas com interesse em investir no Brasil, pudessem se organizar e manter regulares com o Fisco. Temos tantos controles, que o resultado é o caos e a insegurança, na contramão dos interesses do próprio País.
Nem todas essas dificuldades estavam diretamente ligadas ao trabalho que desenvolvo. Os primeiros estudos que fiz sobre o que havia sido publicado na Internet sobre saída definitiva mostrou que o problema não era a tributação em si, mas as surpresas desagradáveis encontradas por quem queria manter seu dinheiro investido após ter deixado o Brasil.
A esperança com o blog era oferecer informações ao público para gerar uma compreensão da causa de problemas como esse, e talvez um dia ter voz suficiente para colaborar com uma solução maior. Nesse sentido, tive uma grata surpresa na semana passada.
Foi marcada reunião, ocorrida nesta manhã, com o Coordenador de Tributos Sobre a Renda, Patrimônio e Operações Financeiras da Receita Federal do Brasil, Fabio Cembranel, e o Auditor Fiscal Alexandre Akio Lage Martins. Fabio Cembranel representou o Subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal do Brasil, Sandro Serpa.
O objetivo foi discutir os três pontos principais que, pelo menos a meu ver, atrapalham o não residente que queira investir no Brasil:
- a impossibilidade de brasileiros vivendo no exterior manterem regularmente seus investimentos e aplicações financeiras no Brasil;
- as dificuldades das Contas de Domiciliado no Exterior (CDE); e
- o custo maior, no regime geral, para manter os investimentos do não residente em bolsa de valores.
Não tenho mantido um controle do número de pessoas que atendi com os problemas acima, mas é possível que tenha sido pelo menos uma centena de pessoas, somente em 2020. E acredito que essas pessoas merecem uma solução para esses problemas de natureza institucional e apartidária.
O objetivo deste texto é explicar quais foram as sugestões que apresentei à Receita Federal para cada um dos problemas acima. Elas serão formalizadas ainda nesta data, e haverá uma atualização deste texto se e quando eu obtiver uma resposta. Por favor, se houver alguma nova sugestão ou comentário, estaremos dispostos a ouvir, como comentário no final desta página por pelo e-mail contato@tersi.adv.br.
A) Impossibilidade de brasileiros vivendo no exterior manterem regularmente seus investimentos e aplicações financeiras no Brasil
Neste texto descrevo em detalhes o que chamei de “dilema do não residente”, em que o contribuinte só consegue cumprir o que a Receita Federal pede se encerrar os seus investimentos financeiros no País, devido a falha regulatória do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional. Basicamente, as normas infralegais não foram bem pensadas para atender ao público de brasileiros que fazem saída definitiva do Brasil.
A lei admite para os investidores não residentes dois regimes tributários de livre escolha: o regime geral e o regime especial.
O regime geral é equiparado ao tratamento dos investidores residentes, e é a alternativa que melhor resolve para a grande maioria de investidores, principalmente brasileiros que se mudaram para o exterior em busca de emprego e pretendem continuar mantendo e investindo no Brasil, às vezes por preferência, às vezes por causa do desejo de voltarem um dia. As regras de referido regime estão previstas nos arts. 78-80 da Lei 8.981/1995, disciplinadas nos arts. 85-87 da IN RFB 1.585/2015.
O regime especial é destinado a conceder benefícios fiscais para que grandes investidores (fundos soberanos, fundos de pensão etc.) decidam investir no País, desde que não residam em paraísos fiscais. Referido regime está previsto pelos arts. 80-82 da Lei 8.981/1995 e art. 34 da Lei 9.532/1997, e seu tratamento tributário está disciplinado nos arts. 88-99 da mesma IN RFB 1.585/2015.
Cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentar os requisitos a serem preenchidos para o gozo de referido regime especial. A Resolução CMN 4.373/2014 tem esse objetivo. Nela, é exigido que o investidor não residente mantenha um registro perante o BACEN e a CVM, operado por uma instituição financeira, a qual será procuradora do investidor em tudo que este decidir fazer (arts. 2º-4º). O rigor desse regime leva a que as instituições de mercado cobrem caro pela responsabilidade: já cheguei a cotar R$ 3-5 mil/mês, por instituição de segunda linha, para manutenção desse cadastro. Esses termos certamente são adequados para os investidores institucionais de grande porte a quem a norma se destina, e totalmente impossíveis de atender para investidores menores.
O problema principal é que, a despeito de o CMN dever regulamentar os requisitos para o regime especial, o art. 1º da Resolução CMN 4.373/2014 estabeleceu as mesmas regras para todos os investidores, inclusive aqueles para quem o regime especial é inadequado. Basicamente, os investidores não residentes estão obrigados a manter cadastro em qualquer tipo de aplicação que não seja conta poupança ou CDB (e previdência privada, sujeita a regulamentação diversa).
Desta forma, toda pessoa física que decidir morar no exterior deixa de poder manter seus investimentos em bolsa de valores, ou mesmo em Títulos do Tesouro Direto ou em fundos de investimento de renda fixa, apesar de a Lei ter criado o regime geral para esse fim. Para estes investidores, o custo do cadastro do Investidor 4.373 é excessivo, e é impossível optar validamente pelo regime geral.
Na prática, esses investidores ficam restritos a aplicações em poupança e CDB, e mesmo assim com custos adicionais por conta de outra regulamentação, sobre a Conta de Domiciliados no Exterior (CDE – vide tópico próprio abaixo). A maior parte deles prefere não comunicar às fontes pagadoras (bancos e corretoras) que deixou de ser residente, o que implica ficarem em situação irregular perante a Receita Federal. Vale notar que o regime geral para aplicações financeiras não implica pagamento de tributos a mais ou a menos que a situação do residente, de forma que não estamos falando de prejuízo ao Erário, somente de um custo de conformidade excessivo, e que não depende de alteração na lei para ser corrigido.
A melhor solução seria reformar a Resolução CMN 4.373 para deixá-la restrita única e exclusivamente para quem desejar usufruir dos benefícios fiscais previstos nos arts. 80-82 da Lei 8.981/1995 e art. 34 da Lei 9.532/1997, conforme arts. 88-99 da IN RFB 1.585/2015.
Para os investidores que quiserem permanecer no regime geral, precisa ser oferecida uma alternativa com o menor custo de conformidade possível, possivelmente disciplinada em Resolução própria ou como um capítulo separado de uma nova Resolução. De qualquer forma, a mudança não depende do Congresso para ser implementada.
Vale fazer aqui um comentário importante: corrigir este problema não depende diretamente da Receita Federal, mas do Banco Central ou do Ministério da Economia. A grande dificuldade é que o Banco Central supervisiona diretamente os bancos no interesse do público, mas não diretamente os correntistas. A maior interessada em que o investidor não residente recolha impostos regularmente é a Receita Federal. E por isso não vejo solução verdadeira para esse problema sem que a Receita Federal e o Banco Central colaborem.
B) As dificuldades das Contas de Domiciliado no Exterior (CDE)
Neste texto trato especificamente das contas bancárias especiais para residentes no exterior. A Circular no. 3.691/2013, arts. 168-186, prevê regras de custo regulatório excessivo para a mera manutenção de contas correntes por não residentes, as chamadas CDEs. O marco regulatório atual foi criado nos anos 1990 por Gustavo Franco, à época presidente do Banco Central, em resposta a escândalos de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que resultaram na CPI do Banestado.
Apesar do objetivo meritório, não houve adequado acompanhamento do custo de conformidade que a medida significava para quem deseja manter seus recursos financeiros no Brasil honestamente, ou pelo menos uma discussão sobre a adequação desses controles à evolução tecnológica e institucional dos últimos 20 anos.
Pelas regras atuais, um brasileiro que deixe de ser residente fiscal no Brasil está obrigado a comunicar o Banco onde mantém conta-corrente desta mudança de situação. O Banco, por sua vez, está obrigado a encerrar as contas bancárias atuais e, se tiver interesse, abrir uma CDE pelo cliente. A CDE só pode ser aberta em agências autorizadas a movimentar câmbio. A regulamentação do Banco Central assume que toda operação de entrada e saída de recursos na CDE, mesmo que em reais, é uma operação de saída ou entrada de divisas no Brasil (o dinheiro que entra na CDE é uma saída de divisas, e o dinheiro que entra é uma entrada de divisas).
O Banco está obrigado a exigir do seu cliente documentação como se referida entrada/saída de caixa na CDE fosse uma operação de câmbio, e encaminhar os dados ao Banco Central todos os dias. Ou seja, o recebimento de qualquer valor que superar R$ 10 mil numa única transação (uma pensão previdenciária de servidor público, um aluguel acumulado por vários meses e pago de uma única vez, uma indenização etc.) deve ser reportado imediatamente ao Banco Central. É um valor muito baixo, e redundante com a função do Coaf.
Da forma como está, quase nenhum Banco oferece a CDE como produto financeiro a seus clientes, visto que: (i). há um risco de exposição reputacional do Banco em qualquer descumprimento das regras do Banco Central, muito mais rigorosas que o normal; e (ii). o custo de conformidade para atender às regras do Banco Central faz com que o Banco tenha prejuízo ao oferecer a CDE a seus clientes. Para se ter uma ideia, pelo que levantamos junto aos bancos que hoje oferecem a CDE, o Itaú Personnalité cobra R$ 1.000/mês de taxa de manutenção. O Santander não cobra uma manutenção tão cara, mas exige R$ 800 por transação efetuada a partir de R$ 10 mil. Bradesco, Safra, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal simplesmente não oferecem a conta a seus clientes, exceto em situações excepcionais (se os valores investidos são muito altos, por exemplo). Para o cidadão que se mudou para o exterior em busca de emprego e só quer manter uma conta poupança, é uma situação impossível, e essa pessoa simplesmente fica em situação irregular.
Uma possível solução que atenderia perfeitamente aos interesses do Banco Central seria que o Banco, assim que fosse comunicado pelo cliente, marcasse a conta contabilmente como sendo detida por não residente, e só exigisse documentação adicional em casos específicos definidos pela regulamentação, em conformidade com as ações do Coaf. Como por meio do Cosif o Banco Central já mantém controle sobre os saldos diários das contas-correntes, é perfeitamente possível produzir estimativas estatísticas confiáveis. E as movimentações da CDE para o exterior continuariam sujeitas aos controles de câmbio atuais, de forma a permitir que o cliente, se necessário, apresente documentação sobre a origem lícita dos recursos aplicados.
Vale ressaltar que a norma existente vai na contramão do que se pretende com o PL 5.387/2019 (o “PL Cambial”), de forma que a aprovação do PL Cambial demandará a revisão desse marco regulatório. A mudança não parece exigir aprovação do Congresso, mas este ponto merece uma análise mais profunda.
C) Custo maior, no regime geral, para manter as investimentos do não residente em bolsa de valores
Mesmo que o regime geral estivesse disponível para o não residente, há ainda um custo regulatório extra em comparação com o residente. Pelo art. 85, §§2º-3º da IN 1.585/2015, o investidor não residente que, pelo regime geral, decidir investir em bolsa ou em ouro ativo financeiro (dentro ou fora de bolsa), deve ter representante legal designado dentre as instituições autorizadas pelo Poder Executivo a prestar tal serviço para recolher o imposto de renda sobre o ganho líquido das operações que fizer. O Fisco pode exigir o imposto do representante legal em vez do contribuinte, nesse caso.
Por conta da responsabilidade tributária, os bancos e corretoras certamente cobrariam caro para fazer o cálculo para seus clientes, desestimulando o investimento em bolsa. O contribuinte que queira calcular e pagar o próprio tributo não tem essa opção, pois o código de receita 5286 não permite o recolhimento do imposto de renda por um CPF, só por CNPJ.
A solução mais simples para esse problema seria dar ao investidor não residente a faculdade, não a obrigação, de apresentar uma declaração de imposto de renda informando apenas os rendimentos de fonte no território, sem informar bens e rendas no exterior. Nos Estados Unidos, em que algo assim é possível, a vantagem de apresentar a declaração é evitar a tributação de 30% de IRRF sobre o rendimento bruto em troca de tributar os rendimentos à alíquota progressiva, aproveitando as mesmas deduções cabíveis para o residente. No caso brasileiro, o procedimento pode servir para evitar a necessidade de um representante legal recolhendo o imposto. Nesse caso, a Receita Federal precisaria criar um código de recolhimento específico, para que o não residente não seja confundido com residente fiscal no Brasil.
Como se trata de obrigação acessória, a mudança não exige apreciação do Congresso, apenas reforma na regulamentação. O art. 79, §2º, da Lei 8.981/1995 autoriza o Poder Executivo a “excluir determinadas categorias de investidores da obrigatoriedade” de constituir um representante legal no Brasil. O §1º do mesmo artigo permite excluir a responsabilidade tributária do representante legal se tal responsabilidade for atribuída a um terceiro, o que significa que o Executivo também tem poder para regulamentar como isso seria possível, de forma a garantir a arrecadação ao Erário.
Estas foram as sugestões que fiz após observar a experiência de vários clientes. Se você tiver outra sugestão, ou quiser propor um novo conteúdo, por favor comente a notícia logo abaixo, ou envie um e-mail para contato@tersi.adv.br.
Conte comigo!
Um forte abraço.
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Esse texto sobre investir no Brasil foi elaborado por Vinícius Tersi Advocacia, escritório especializado em Consultoria Tributária Internacional.
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