Nas consultas que tenho dado para clientes, principalmente aqueles se mudando para Portugal e perguntando se é mais adequado fazer a saída definitiva ou manter dupla residência fiscal, um ponto frequente de dúvida é saber o que é residente fiscal. Ser cidadão de um País ou estrangeiro teria algum impacto para fins de imposto de renda, seja em Portugal ou no Brasil. Mais de um cliente fala de “dupla cidadania fiscal”. De fato, o uso de expressões próximas como “cidadania”, “residência”, “domicílio” e “residência não habitual” gera bastante confusão.
O objetivo deste texto é explicar o que é residente fiscal, e o que significa cada termo semelhante. Isso deve colaborar, inclusive, para facilitar o entendimento de por que cada País tributa a renda mundial de um jeito diferente, e por que é tão possível ter mais de uma residência fiscal.
Nacionalidade não tem relação com o que é residente fiscal
Para que fique clara, então, ter ou não a nacionalidade de um País define a situação migratória de um indivíduo como “cidadão” ou “estrangeiro”. Além de caber ao cidadão o dever de votar, o estrangeiro tem menos direitos que o cidadão para ir e vir, e também para morar, trabalhar, estudar ou ter acesso a serviços públicos.
Muitos países, inclusive Brasil e Portugal, exigem visto para que o indivíduo possa entrar no território por tempos maiores que uma visita, e registro como estrangeiro para que possa ter o direito à moradia.
O cerne da confusão está na palavra “residência” em si. No dia-a-dia, ser residente significa habitar algum imóvel, para adotá-lo como local de residência. Ou seja, está ligado a exercer o direito à moradia. O cidadão sempre tem esse direito. Um estrangeiro pode adquirir um determinado tipo de visto para adquirir esse direito à moradia, isto é, poder ocupar um imóvel como local de residência.
Mas isso não é o mesmo que se tornar residente fiscal.
O que é residente fiscal, em termos concretos
Ter ou não a residência fiscal define o status fiscal de uma pessoa para fins de imposto de renda. O não residente está sujeito a pagar imposto de renda somente sobre os rendimentos de fonte naquele País, enquanto o residente fiscal está sujeito a pagar imposto de renda sem limitação geográfica, sobre todos os rendimentos. Tanto o Brasil quanto Portugal e Estados Unidos tributam a renda de seus residentes em bases mundiais.
Por isso sempre acrescento a palavra “fiscal”, para reduzir a confusão entre “ser residente” e “ser residente fiscal”. Cada Estado define, em sua própria legislação, qual é o tipo de vínculo de uma pessoa com o País que denota a residência fiscal. E daí vêm novas confusões:
- os Estados Unidos atrelam diretamente a residência fiscal à nacionalidade, de forma que a situação migratória e a situação fiscal de uma pessoa são quase idênticas. Ali se faz distinção entre “estrangeiro não residente” (nonresident alien, ou NRA), “estrangeiro residente” (resident alien) e “cidadão americano” (U.S. citizen ou U.S. national). O primeiro é não residente e os demais são residentes fiscais (tax residents), e adquirir o visto de imigrante (green card) resulta na aquisição da residência fiscal americana;
- para Portugal, ser residente fiscal em Portugal atrela diretamente a residência fiscal de um indivíduo a passar ao menos 183 dias no território português dentro de qualquer período de 12 meses com início ou fim durante o ano fiscal, ou ficar, mesmo que por um dia, mantendo um imóvel como “residência habitual”. Na prática, esse é o local de moradia informado no NIF (“número de identificação fiscal”, equivalente ao CPF brasileiro);
- já o Brasil mantém um critério confuso, com pequenas diferenças entre cidadãos brasileiros e estrangeiros. Nos dois casos, o critério brasileiro resume-se ao ânimo definitivo, ou seja, na intenção de permanecer no Brasil por haver a manutenção de interesses, sejam familiares ou profissionais.
Mas isso ainda não é suficiente para esclarecer tudo sobre o que é residente fiscal. Dos clientes com interesse em mudar para Portugal, existe ainda o estatuto do residente não habitual (RNH).
O que é residente não habitual (RNH) dentro disso tudo
Existe confusão, em Portugal, sobre o que significa o estatuto de residente não habitualfrente a o que é residente fiscal. Essa confusão vem, de novo, do uso coloquial da palavra “residente”.
Para definir a situação migratória em Portugal, uma pessoa se torna residente quando, sendo cidadão português ou de países da União Europeia, ou ainda tendo adquirido visto que confere o direito à moradia, passa a manter uma morada em Portugal, registrada perante o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e a Junta de Freguesia do Município.
Já se tornar residente fiscal em Portugal, como mencionamos, também depende de informar o local de residência no NIF, perante a Autoridade Tributária de Portugal, equivalente à Receita Federal do Brasil. Então, até aqui, a palavra “residente” tem duas conotações diferentes, ambas mantendo relação com um endereço.
O RNH, porém, é um benefício fiscal voltado para os residentes fiscais que atendam a requisitos específicos. O estatuto de residente não habitual é conferido para quem acabou de se tornar residente fiscal em Portugal, não tendo sido nos 5 anos anteriores, e cumpriu o prazo para optar por esse benefício fiscal.
Válido por 10 anos, o RNH prevê reduções de tributos sobre os rendimentos do trabalho de algumas profissões, e também vários dos rendimentos auferidos fora de Portugal.
Portanto, ser residente fiscal é uma situação fiscal, e ser optante do estatuto de residente não habitual é aproveitar um benefício fiscal específico, conferido pelo Governo Português.
Por fim: o que é residente fiscal não tem a ver com domicílio fiscal, nem com domicílio civil diretamente
Resolvidas as dúvidas entre a relação entre nacionalidade e residência fiscal, e entre residência fiscal e o RNH, faltou mencionar a diferença entre residência fiscal e domicílio. Esse ponto gera menos dúvidas, mas é a parte mais complexa de explicar.
A palavra “domicílio” vem do latim, provavelmente formado por “domus” (casa ou lar) mais “colō” (habitar, morar). Então de novo existe aqui um conceito que denota a ligação com um imóvel utilizado para moradia.
No Direito, porém, essa palavra ganhou uma acepção mais técnica, em cada país de forma ligeiramente diferente. Usa-se o domicílio como critério legal ou contratual para definir o local que será tomado como núcleo das obrigações de uma pessoa física ou jurídica.
Por exemplo, quando alguém ingressa com uma ação judicial contra uma pessoa, o domicílio será o lugar em que essa pessoa deverá ser encontrada para tomar conhecimento dessa ação judicial e se defender. Daí, dependendo do ramo do Direito que estamos tratando, surgirá o “domicílio civil”, “domicílio eleitoral”, “domicílio fiscal” etc.
No Brasil, o “ânimo definitivo” é um dos componentes do domicílio civil1Código Civil, arts. 70-78., e por isso é relevante no Brasil para determinar a residência fiscal de um indivíduo.
Mas também existe o “domicílio tributário”, ou “domicílio fiscal”2Código Tributário Nacional, art. 127.. Ali a importância do domicílio é saber, para fins de organização interna da Receita Federal ou de outro Fisco, qual deverá ser a repartição competente para fiscalizar o contribuinte3XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 218..
De forma semelhante, a escolha de um “domicílio eleitoral” tem ligação com o local para fins de cumprimento das obrigações eleitorais, e assim por diante com todos os ramos do Direito.
Conclusões
Essa fragmentação de conceitos com nomes parecidos, como “residência”, “residência fiscal”, “domicílio civil”, “domicílio eleitoral” etc., leva a questionar se vale a pena manter um cipoal de palavras semelhantes com significados diferentes.
Certamente que sim. Por mais que a evolução do Direito exija o surgimento de novos termos técnicos em áreas diferentes, na prática, ninguém deveria ser mestre em Direito para conseguir resolver seus problemas burocráticos.
Esta é uma parte de nossa missão: contribuir para reduzir a incerteza da legislação. Espero que este texto tenha dado algum apoio nessa direção.
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Referências:
- 1Código Civil, arts. 70-78.
- 2Código Tributário Nacional, art. 127.
- 3XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 218.
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