Ontem, 30 de abril de 2023, foi publicada pelo Governo Federal a Medida Provisória nº. 1.171/2023, que pegou de surpresa o mercado. Com claro objetivo de “taxar investimentos no exterior” para aumentar a arrecadação para compensar a nova faixa de isenção do imposto de renda, tal Medida Provisória estabeleceu que, a partir de 1º de janeiro de 2024, as pessoas físicas residentes fiscais no Brasil estarão sujeitas à incidência de tributação pelo imposto de renda sobre os rendimentos auferidos de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust no exterior.
A justificativa do Governo Federal para a medida é seguir recomendação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora haja jurisdições que tenham regras desse tipo, trata-se claramente de uma nova maneira de taxar investimentos no exterior sem uma avaliação profunda de como deve ser feita a tributação. Já mencionamos como investimentos no exterior têm hoje, no Brasil, uma tributação de ganhos e rendimentos no exterior problemática.
O que foi previsto para taxar investimentos no exterior
Tanto os rendimentos auferidos de aplicações financeiras como os advindos de controladas no exterior e respectivos ganhos de capital passarão a ser tributados separadamente dos demais rendimentos e ganhos na declaração de imposto de renda. Se a Medida Provisória nº 1.171/2023 for convertida em lei como está, esses rendimentos e ganhos estarão sujeitos à tributação progressiva de:
- 0% para rendimentos anuais inferiores a R$6.000,00;
- 15% para a parcela dos rendimentos superiores a R$6.000,00 e inferiores a R$50.000,00; e
- 22,5% para os rendimetnos que ultrapassarem R$ 50.000,00.
No caso das aplicações financeiras no exterior, a tributação ocorrerá na disponibilização à pessoa física, ou seja, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.
No caso das entidades controladas sediadas em “paraíso fiscal” ou sujeitas a regime fiscal privilegiado ou que tenham majoritariamente renda passiva (como p.ex. as private investment companies), os lucros gerados a partir de 1º de janeiro de 2024 serão tributados ao final de cada ano com base em balaço anual da controlada no exterior, podendo ser deduzidos os prejuízos apurados após a data de produção de efeitos dessa medida provisória e anteriores à respectiva apuração de lucros. Também poderão ser deduzidos os lucros e dividendos advindos de empresas investidas que sejam domiciliadas no Brasil.
Ressalta-se que os lucros acumulados até o dia 31 de dezembro de 2023, apurados conforme as demonstrações financeiras da off-shore, serão tributados pelas novas alíquotas apenas no momento de sua efetiva disponibilização à pessoa física controladora.
Essa medida provisória, nos termos propostos ontem, infelizmente, acaba com o benefício do diferimento tributário conferido às estruturas offshore para investimentos financeiros (as private investment companies), através do qual os lucros auferidos por essas entidades offshore somente seriam tributados no momento de sua efetiva disponibilização à pessoa física residente fiscal no Brasil controladora, possibilitando o reinvestimento otimizado dos lucros na própria estrutura.
MP 1.171/2023: outros temas relevantes
Utilizar “paraísos fiscais” para investimentos no exterior pode se tornar menos vantajoso
Opção de atualizar investimentos ao valor de mercado pagando 10% de imposto
Por outro lado, essa medida provisória abriu a possibilidade de atualização do valor de mercado dos bens e direitos detidos no exterior (tais como, aplicações financeiras, imóveis, veículos, aeronaves, embarcações e participações em entidades controladas), mediante o pagamento de 10% sobre o ganho de capital (diferença entre o custo de aquisição constante da DIRPF e o valor de mercado em 31.12.2022), se o pagamento for feito até 30 de novembro de 2023. Para as participações em entidades controladas, seria possível fazer nova atualização de valor para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 mediante pagamento do IRPF de 10% sobre a diferença.
Revogação de 2 isenções importantes
Além disso, essa medida provisória também revoga duas isenções existentes atualmente com relação aos ativos detidos no exterior. A primeira é a isenção sobre a variação cambial dos investimentos no exterior que tenham origem em moeda estrangeira. Revogar essa isenção tem impacto em taxar investimentos no exterior principalmente de quem auferiu renda de trabalho no exterior e deseja mantê-la protegida da desvalorização do real frente ao dólar e outras moedas.
A segunda é a isenção de IRPF sobre ganho de capital na alienação de bens adquiridos na condição de não residente, o que já havia sido proposto no Projeto de Lei nº 2.337/2021 e não foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Revogar essa isenção afeta muito quem construiu um patrimônio no exterior como não residente e deseja fazer sua transição para a condição de residente fiscal no Brasil.
Tributação de trusts e fundações privadas no exterior
Também vale mencionar que essa medida provisória estabelece, pela primeira vez, a tributação de trusts e fundações privadas offshore, inclusive estabelecendo que as distribuições do trust aos beneficiários tem natureza de transmissão a título gratuito, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor do trust (settlor) ou transmissão causa mortis, se após seu falecimento.
Taxar investimentos no exterior: alguns comentários
Como a conversão da Medida Provisória nº. 1.171/2023 em lei depende da aprovação do Congresso Nacional, o conteúdo dessa medida provisória ainda poderá ser modificado durante a tramitação no Congresso. Além disso, nos termos do Art. 62 da Constituição Federal, as medidas provisórias possuem eficácia de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias uma única vez, devendo ser apreciada nesse prazo pelo Congresso para sua conversão em lei ou rejeição.
Não é a primeira vez que o Governo Federal tenta tributar os rendimentos auferidos pelas pessoas físicas das entidades controladas offshore, podendo ser citado o Projeto de Lei nº. 2.337/2021 (apelidado de Reforma Tributária do IR), o Projeto de Lei nº. 3.489/2021, a Medida Provisória nº. 627/2013, mas nenhuma delas até o momento teve apoio suficiente para seguir adiante no Congresso Nacional. Ainda não é certo, portanto, que essa iniciativa para taxar investimentos no exterior terá êxito.
Independentemente disso, além de acompanharmos a tramitação dessa Medida Provisória perante o Congresso Nacional, analisaremos em maiores detalhes o tema durante os próximos dias, para verificar se há alguma lacuna ou viés interpretativo que possa ser utilizado em favor do contribuinte.
Estamos à disposição para maiores esclarecimentos.
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