Doações e heranças recebidas no exterior: como tributar e declarar?
Atendemos constantemente clientes que recebem doações ou então heranças de bens situados no exterior. Há dúvidas acerca dos impostos devidos no Brasil sobre o valor dessas doações e heranças recebidas no exterior, assim como a obrigação de informá-los à Receita Federal (RFB) por meio da declaração de imposto de renda (DIRPF) e ao Banco Central por meio da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE).
Portanto, o objetivo deste texto sobre Doações e heranças recebidas no exterior é descrever de forma geral qual é a tributação devida e o que deve ser declarado. É importante, em especial, descrever a discussão da incidência do ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e doação) sobre doações e heranças recebidas do exterior.
Tributação de Doações e heranças recebidas no exterior: regra geral
Em síntese, para doações e heranças recebidas no exterior há dois impostos a considerar: o ITCMD e o imposto de renda pessoa física (IRPF). O ITCMD é um imposto estadual, devido via de regra pelo recebedor do bem ou direito transmitido (o donatário ou sucessor, conforme o caso). O IRPF não incide sobre o valor da doação ou herança, mas sobre eventual ganho de capital auferido pelo doador ou pelo espólio da pessoa falecida. A tabela abaixo resume as principais diferenças entre os dois impostos:
Aspecto | ITCMD | IRPF |
Contribuinte | beneficiário da doação ou herança (ou o doador, em casos excepcionais) | titular do bem ou direito transferido (doador ou espólio) |
Fato gerador | Doação ou então abertura da sucessão (herança) | Transferência de propriedade de bens e direitos ao beneficiário |
Base de cálculo | valor venal do bem ou direito transmitido | ganho de capital |
Base de cálculo considera: | o conjunto transmitido ao mesmo beneficiário | cada bem ou direito transmitido isoladamente (opção de transferir a custo de aquisição, sem ganho, ou por valor de mercado) |
Alíquota | até 8%, admitindo-se progressividade (cada estado estabelece sua alíquota) | 15%-22,5%, em função do ganho de capital |
Sobre as diferenças entre o ITCMD e o IRPF
Para explicar as diferenças entre o ITCMD e o IRPF, assuma-se que os imóveis no Brasil 1 e 2 são doados para dois beneficiários chamados A e B, em partes iguais (A recebe 50% do imóvel 1 e 50% do imóvel 2, assim como B). Em ambos os imóveis, o custo de aquisição de cada um corresponde a R$100.000 e o valor venal é de R$1.100.000, equivalente ao valor de mercado:
- para fins de ITCMD, a base de cálculo será de R$1.100.000 para cada donatário (50% da soma do valor venal dos dois imóveis), além disso, o imposto devido deverá ser recolhido por cada um deles;
- para fins de IRPF, o doador poderá escolher transmitir cada imóvel por um valor diferente. Assim, o doador pode decidir transmitir o imóvel 1 pelo custo de aquisição de R$100.000 (R$50.000 para A e R$50.000 para B), sem pagar IRPF na transferência. Enquanto isso, o imóvel 2 pode ser transmitido por R$1.100.000 (R$550.000 para cada beneficiário), tributando-se o ganho de capital, correspondente à diferença positiva de R$1.000.000 (R$1.100.000 menos R$100.000). Ademais, o IRPF será devido pelo doador e os beneficiários A e B são isentos, devendo cada um informar sua parte nos imóveis pelo valor atribuído pelo doador.
Vale notar que o valor dos bens, assim como dos direitos transmitidos, é diferente para cada imposto. Dessa forma, o valor assumido para fins de ITCMD é irrelevante para apuração do IRPF, e vice-versa. O valor atribuído para fins de IRPF deve ser informado na DIRPF do titular do bem ou direito transferido (e, se for o caso, a apuração do ganho de capital) e na DIRPF do beneficiário da doação ou herança, pelo valor atribuído pelo antigo titular.
A alíquota do ITCMD é de até 8%, limite estabelecido pelo Senado Federal.
Cada estado é competente, mas, para fixar sua própria alíquota de ITCMD dentro desse limite. Assim, a tributação em cada estado pode variar. A tabela abaixo apresenta como exemplo as alíquotas de ITCMD dos estados de São Paulo, bem como Rio de Janeiro e Minas Gerais atualmente:
Estado | Alíquota | Observações |
SP | 4% | Isenção de doação de até 2.500 UFESPs (R$ 69.025,00 em 2020) para mesmo doador e donatário no mesmo ano civil. |
RJ | 4%-8% | Isenção de doação de até 11.250 UFIRs-RJ para o mesmo donatário no mesmo ano civil (R$ 39.993,75 em 2020). Alíquota de 4% para valores de até 70.000 UFIRs-RJ (R$ 248.850,00 em 2020). Alíquotas intermediárias de 4,5%, 5%, 6% e 7%. Alíquota máxima a partir de 400.000 UFIRs-RJ (R$ 1.422.000,00 em 2020). |
MG | 5% | Isenção de doação de até 10.000 UFEMGs (R$ 37.116,00 em 2020), ou então desconto de 50% do valor do imposto devido em doações de até 90.000 UFEMGs (R$ 334.044,00 em 2020) para mesmo doador e donatário, considerados 3 anos civis. |
Os comentários acima valem, de forma geral, tanto para doações e heranças referentes a bens e direitos situados no Brasil ou então no exterior. No caso do ITCMD, entretanto, há a possibilidade de questionamento da sua exigência para as doações e heranças recebidas do exterior.
Discussão jurídica sobre doações e heranças recebidas do exterior para o ITCMD
Para situações em que (a). o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou em que (b). a pessoa falecida possuía bens, era residente ou domiciliada ou teve seu inventário processado no exterior, a Constituição Federal exigiu lei complementar para definir o estado competente. No entanto, essa lei complementar jamais foi aprovada.
Apesar de o requisito exigido pela Constituição Federal não ter sido cumprido, os estados e o Distrito Federal passaram a exigir o ITCMD em suas respectivas legislações. Ainda que cada ente tributante possa dispor de maneira diversa, o ITCMD costuma ser exigido pelo estado onde o beneficiário da doação ou herança tiver domicílio. O principal argumento do Fisco é de que a Constituição Federal, assim como o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, autorizam que os Estados podem exercer competência legislativa plena, inclusive quanto ao sistema tributário nacional, na ausência de lei federal dispondo sobre normas gerais.
Isso levou a diversos questionamentos por parte dos contribuintes.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, reconheceu que o dispositivo da legislação paulista é inconstitucional, não podendo haver exigência do ITCMD nas hipóteses em que se exige a lei complementar (ArgInconst 0004604-24.2011.8.26.0000, rel. Des. Guerrieri Rezende, j. 30.03.2011). Do mesmo modo, no Rio de Janeiro, há discussão semelhante, julgada a favor do Fisco (ArgInconst 0189188-24.2011.8.19.0001, rel. Des. Nagib Slaibi Filho, j. 01.02.2016, ainda sem trânsito em julgado).
Situação atual da discussão
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da questão (Tema 825). Dessa forma, os julgamentos pendentes nas instâncias inferiores devem ser suspensos até que o STF se pronuncie, e a decisão tomada pelo STF deverá ser seguida nos demais julgamentos. Ademais, a tendência atual é de um julgamento favorável aos contribuintes, tendo em vista precedentes da Corte a respeito de questões semelhantes. Sendo assim, tomadas as precauções corretas, é possível propor ação judicial para evitar a exigência do ITCMD sobre doações e heranças recebidas do exterior.
Note-se que há um projeto em tramitação pelo Congresso Nacional para disciplinar a competência tributária dos Estados, bem como do Distrito Federal (Projeto de Lei Complementar no. 363/2013, de autoria da Deputada Federal Erika Kokay (PT/DF)). Ainda que haja aprovação do projeto e sua conversão em lei, a lei complementar não deverá valer para os fatos ocorridos antes de sua vigência.
Outros comentários
Vale lembrar do dever de informar sobre os bens e direitos no exterior de titularidade de pessoa residente fiscal no Brasil ao Banco Central por meio da declaração de capitais brasileiros no exterior (CBE). A esse respeito, recomendo a leitura do texto com orientações sobre o tema “declaração de capitais brasileiros no exterior”, conteúdo atualizado e que ajudará a mantê-lo em dia com o fisco.
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Esse texto sobre Doações e heranças recebidas no exterior foi elaborado por Vinícius Tersi Advocacia, escritório especializado em Consultoria Tributária Internacional.
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