Em um dispositivo específico da Instrução Normativa SRF no. 208/2002, fala-se na situação de “saída temporária”. Essa situação se aplica à pessoa que não formalizou a saída definitiva quando efetivamente deixou o País, e por isso terá a residência fiscal no Brasil prorrogada por mais 12 meses após ter fisicamente deixado o território brasileiro. A partir de então, a pessoa deve ser tratada como não residente.
Isso quer dizer que existe uma “Declaração de Saída Temporária do País” a entregar? Se o contribuinte ainda pretende ser residente fiscal no Brasil, precisa viajar ao Brasil uma vez por ano para evitar completar o prazo de 12 meses?
Não é bem assim. Primeiro, porque só existe a obrigatoriedade de entrega da “Declaração de Saída Definitiva do País” (DSDP), não importa se a saída fiscal utiliza a regra de “saída temporária” ou não. Além disso, apesar da previsão normativa, o reconhecimento da saída temporária não é automático.
O objetivo deste texto é apresentar respostas às dúvidas que surgem dessa previsão do prazo de 12 meses, principalmente para quem está em uma das seguintes situações:
- saiu há mais de 5 anos do Brasil e nunca formalizou a saída definitiva do Brasil, nem apresentou declarações de imposto de renda após ter saído; ou
- apresentou declaração de imposto de renda nos últimos 5 anos, até o ano que deixou o Brasil, mas nunca entregou a declaração de saída definitiva do Brasil nem qualquer outra declaração desde que deixou o País; ou
- quem deixou recentemente o Brasil e não sabe se é mais adequado formalizar sua saída fiscal pela regra da “saída definitiva” ou da “saída temporária”.
Espera-se, com isso, aclarar dúvidas, especialmente sobre a “automática” perda da condição de residente fiscal no Brasil, especialmente quando se quer saber se alguém vive em dupla residência fiscal.
Por que a falsa ideia de existir uma “Declaração de Saída Temporária do País”
Os vários dispositivos legais que tratam da residência fiscal no Brasil são desencontrados no tempo, e por isso nem sempre formam coerência lógica clara. A Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) foi prevista por uma lei dos anos 1950, pela qual aqueles que deixam o território brasileiro “em caráter definitivo” precisam apresentar essa declaração, após o que serão tratados como não residentes1Lei 3.470/1958 art. 17, caput..
Já o que a Receita Federal chama de “saída temporária” é uma previsão dos anos 1940. Por ela, são tributados como não residentes os “residentes no país que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses”2Decreto-Lei 5.844/1943, art. 97, caput, alínea “b”..
Essa redação é muito confusa, porque dá a entender que uma pessoa continua sendo residente fiscal do Brasil, apenas passa a pagar impostos como se não residente fosse. Mais difícil ainda é entender como essa previsão se compara com a situação de diplomatas e outras pessoas ausentes no exterior a serviço do País, que continuam sendo tratados como residentes fiscais no Brasil mesmo após 12 meses de ausência3Lei 9.250/1995, art. 5º, caput., ou com os casos em que a residência fiscal é mantida para pessoas que se mudam para países ou dependências que sejam considerados “paraísos fiscais” (jurisdições de tributação favorecida) ou em regime fiscal privilegiado4Lei 12.249/2010, art. 27..
O Poder Executivo oferece algum esclarecimento na regulamentação do tema. Por ali, coloca-se que a “regra dos doze meses” se aplica àqueles que deixaram o país sem entregar a DSDP. Quer dizer: se uma pessoa apresentar a DSDP conforme a regra geral dos anos 1950, já passa a ser tributada como não residente desde a data em que deixou o País. Já quem deixar de entregar a DSDP será considerada residente fiscal no Brasil por mais 12 meses de ausência, após os quais também será tratada como não residente5Decreto 9.580/2018 (RIR/2018), art. 14, caput e §3º..
Outro elemento importante para entender a regra da “saída temporária” foi um Parecer Normativo segundo o qual “não caracteriza retorno a viagem de férias ou outros motivos, por não ter caráter estável de permanência no território nacional”6Parecer Normativo Cosit 3/1995.. O objetivo ali era tratar de brasileiros que se mudam para o Japão a trabalho temporariamente, e precisavam mandar remessas para o Brasil para manterem suas famílias. Pareceres Normativos são importantes porque, apesar de não serem lei, vinculam o trabalho dos auditores fiscais caso decidam fiscalizar a vida de um contribuinte.
Por fim, com base no mesmo Parecer Normativo, a Receita Federal apresentou uma Solução de Consulta prevendo que a vinda de uma pessoa ao Brasil para viagem de férias ou confraternizações de final de ano não interromperia a contagem do prazo de 12 meses da regra de saída temporária7Solução de Consulta Disit/SRRF08 262/2009.. Embora não seja vinculante para trabalhos de fiscalização, é possível entender que essa Solução seja um indício da importância maior do ânimo definitivo para caracterizar a residência fiscal no Brasil.
Mas que conclusão tirar disso?
Como em tudo no Direito, é possível defender raciocínios diferentes para qualquer conjuntos de regras, em especial quando essas estão dispersas no tempo e desconjuntadas. Já sabemos que não existe a figura da “Declaração de Saída Temporária do País”. Agora, o que temos aplicado de prático, com algum suporte na regulamentação da Receita Federal depende da situação específica de cada indivíduo:
1. Para quem saiu há mais de 5 anos do Brasil e não apresentou quaisquer declarações
Para quem saiu há mais de 5 anos do Brasil e nunca formalizou a saída definitiva do Brasil, nem apresentou qualquer outra declaração, é possível entender que já se aplica o status de não residente para seus rendimentos de fonte brasileira. Esse é um caso que a regulamentação previu, e inclusive o Parecer Normativo citado garante a manutenção desse status se houve breves retornos ao Brasil em viagens de férias, ou para confraternizações de final de ano.
O que importa é formalizar esse novo status perante a Receita Federal, para mitigar os riscos de questionamento, ainda mais se houver o desejo de retornar ao Brasil ou de aumentar investimentos. Nesse caso, falamos da Declaração de Saída Definitiva do País retroativa, e não de uma Declaração de Saída Temporária do País.
2. Para quem deixou o Brasil há menos de 5 anos, sem apresentar declarações
Para aqueles que deixaram o Brasil há menos de 5 anos, mas simplesmente pararam de apresentar declarações, sem formalizar a saída definitiva, é também possível entender que se aplica o entendimento da Receita Federal se houve mais de 12 meses de ausência do território brasileiro.
O ponto aqui é saber como tratar dos 12 primeiros meses, principalmente quando há rendimentos do exterior que não foram (e precisam) ser declarados. Nesse caso, é necessário definir qual a data da saída fiscal mais adequada, e saber se ainda é possível utilizar a data em que a pessoa partiu, sem precisar aplicar a regra de saída temporária.
Se for o caso de aplicar a regra de saída temporária, os 12 primeiros meses de ausência estarão sujeitos à declaração brasileira. Não se usa o termo “Declaração de Saída Temporária do País” mesmo assim. Trata-se da mesma Declaração de Saída Definitiva do País, mas com outra data, aquela em que se completaram os 12 meses de ausência física do Brasil.
3. Para quem deixou recentemente o Brasil e não sabe qual a regra mais adequada
Para quem é mais previdente, e quer saber qual a regra mais adequada ao seu próprio caso, a situação é semelhante àquela de quem deixou o Brasil há menos de 5 anos. A diferença é que se está em tempo de preparar a Comunicação de Saída Definitiva (CSD), e dificilmente haverá multas por declarações atrasadas.
Não temos espaço aqui para aprofundar no que torna o ânimo definitivo o critério mais importante para caracterizar a residência fiscal no Brasil. Mas é possível concluir que, se não temos uma “Declaração de Saída Temporária do País”, certamente os posicionamentos manifestados pela Receita Federal sobre a regra da saída temporária servem de indício de que, pela regra brasileira, importam mais os vínculos econômicos, sociais e familiares mantidos com o Brasil do que a contagem do número de dias passados no Brasil a cada momento.
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Referências:
- 1Lei 3.470/1958 art. 17, caput.
- 2Decreto-Lei 5.844/1943, art. 97, caput, alínea “b”.
- 3Lei 9.250/1995, art. 5º, caput.
- 4Lei 12.249/2010, art. 27.
- 5Decreto 9.580/2018 (RIR/2018), art. 14, caput e §3º.
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